Se você não leu ainda, sugerimos que você leia os capítulos em sequência a partir do primeiro: CAPÍTULO 01
O domingo amanheceu meio emarasmado. Marli espichou-se na
cama, sentou, fez o sinal da cruz com tanta pressa que seu gesto parecia mais
um círculo que uma cruz. Trocou o baby-doll por uma bermuda de jeans batido e
uma camiseta azul lisa. Depois de fazer o toalete e tomar seu café, começou a
varrer a casa.
Estava varrendo a calçada quando Carlinhos passou de
bicicleta. Olhou para ela e sorriu.
-Engraçado. Riu por dentro lembrando-se de Juninho. Não
soube por que murmurou aquele “engraçado”. Talvez quisesse dizer coitado.
Sentia pena. Não devia ter traído Carlinhos. E se ele ficasse sabendo?
À tarde Celina apareceu em sua casa com uma fita cassete
para as duas ouvirem. Era uma coletânea de músicas lentas internacionais.
A certa altura, Celina perguntou séria para Marli.
-Você terminou com Carlinhos?
-Não. Por quê?
-Ontem vi só ele na praça.
-Ah! Fui a um aniversário.
-Pensei que vocês tinham terminado porque vi ele... Ah.
Deixa pra lá. Falou Celina confusamente.
-O que Celina? Agora fala que você me deixou curiosa.
Interessou se Marli.
-Como foi lá no aniversário? Tentou desviar o assunto.
Marli mesmo interessada em saber o que Celina tinha visto na
praça, não quis encher a amiga de perguntas secas e diretas. Mais tarde Celina
acabaria contando. Por isso resolveu responder.
-Foi legal. Se eu te contar uma coisa, jura que vai ficar só
entre nós duas?
-Claro que juro.
-Conheci no aniversário um cara lá do Rio. Ele é primo da
Deyse.
-Bonito? Perguntou Celina.
-Gatinho.
Perguntou de novo Celina.
-Ele ficou com alguém? Celina ainda não havia entendido nas
entrelinhas aonde Marli pretendia chegar.
-Ficou. Advinha com quem?
-Não faço a menor ideia.
-Comigo. Marli ficou séria e prestou atenção na reação da
amiga. Celina reagiu surpresa.
-É verdade? Então você terminou com Carlinhos? Celina ainda
não estava entendendo nada.
-Não Celina. E aí é que tem uma coisa. Eu não devia ter
ficado com ele. E se agora Carlinhos ficar sabendo é capaz de terminar comigo.
Eu não queria que fosse assim. Marli viu que havia algo de estranho em Celina
que abriu um imenso sorriso e anunciou que ira contar o que tinha visto na
praça.
-Marli, já que você contou o que você fez, eu vou te contar
o que eu vi ontem. Carlinhos ficou com uma garota morena, aquela que anda com a
Juliana que trabalha no caixa do supermercado. Então ele também te traiu. Ficou
pau a pau.
Marli ficou confusa. Não soube o que dizer. Parecia que
tinha levado uma bofetada na cara.
Passaram a prestar atenção no ritmo da música e daí a pouco
tempo Celina foi embora.
À noite Marli estava ansiosa pra ver o que ia acontecer.
Aconteceu que Carlinhos estava com a tal garota que Celina
falou. Marli teve uma vontade louca de encontrar Juninho. Queria que Carlinhos
a visse com o carioca. Ficou dando volta sozinha. Celina estava de paquera
nova.
Encontrou Juninho já na companhia de uma garota do grupo de
adolescentes. Marli começou a sentir no coração as surras que a gente leva no
amor. Sentiu-se sozinha e a pessoa mais infeliz do mundo. Foi embora mais cedo
e quis dormir para esquecer aquele dia.
Três meses se passaram. Marli continuava trabalhando no
mesmo lugar. Às vezes achava seu trabalho inútil. Todo dia limpava a casa e
todo dia a mesma casa precisava ser limpa novamente.
Marli olhava com certo desprezo para Lauciene, filha da
patroa. Moça grossa e um tanto rude essa tal de Lauciene. Acordava sempre
tarde, ouvia muito rock, pintava uns quadros num ateliê improvisado em um
cômodo nos fundos do quintal. Era bem desorganizada. Roupas pelo chão, cadernos
abertos em cima da cama, até absorventes usados misturados com o resto da
bagunça. Marli quase fazia vômito ao entrar no quarto para fazer a faxina.
Os quartos dos irmãos de Lauciene eram mais bem organizados.
Destes Marli não tinha nenhuma repulsa. Mantinha certa distância dos rapazes
bem como de Lauciene.
Guido, o mais velho, estava para se formar na faculdade de
administração no fim do ano. Dizia as más línguas que ele já era papai.
Namorava uma moça loura, que quase todos os dias, ia a casa dele pela tarde.
Trancavam-se no quarto. Algumas vezes Marli ouvia alguma coisa que a levava a
imaginar que estavam transando. Mas não arriscava a fazer tal afirmação.
Geovane era caçula. Dezessete anos. Cursava o ensino médio
de técnico em contabilidade. Era um rapazinho meio esquisitinho. Tinha um amigo
chamado Tony e os dois só andavam juntos.
Era por volta das duas da tarde e Marli faltava apenas fazer
a limpeza dos três quartos ocupados pelos jovens da família. Agora já fazia
cinco meses que tinha rompido com Carlinhos e daí até esse dia apenas uma
paquerinha com um rapaz chamado Genivaldo que não lhe agradou.
Marli foi se aproximando do quarto e ouviu algo parecido com
o que ouvia quando Guido e sua namorada se trancavam. Uns gemidos de dor
misturado com prazer. Uns gemidos que a fazia ficar excitada e louca de vontade
de ser possuída por um homem. Ela nunca havia transado. Apenas se masturbado de
leve. Ainda conservava o hímen que não rompera com as excitações clitorianas.
Permitia carícias nos seios e não mais nada que isso. Sua cabeça encheu-se de
curiosidade.
Os gemidos estavam vindos do quarto de Geovane. Mas com
quem? Não se lembrava dele entrando com nenhuma garota em casa. Será que ele
estava se masturbando ou vendo filme pornográfico? Não resistiu. Olhou pelo
buraco da fechadura. Quase não acreditou na cena diante dos seus olhos. Não era
masturbação e nem cenas de vídeos pornográficos. Bem que ela no fundo sempre
desconfiara de Geovane, agora estava vendo com seus olhos azuis. Geovane e Tony
estavam transando. O filho de sua patroa era o passivo. Ali, nus, estavam os
dois. Marli ficou atônita. Não sabia o que fazer. Decidiu guardar segredo. Toda
vez que via Geovane lembrava-se do fato que vira.
-Pior que o peste é até bonitão. Quem diria que ele é gay?
Mas quem disse que gay tem que ser feio? Pensava enquanto espanava os livros na
estante.
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