sábado, 21 de outubro de 2017

TUTU DE DOMINGO

Estradas tortuosas rajam o vale da minha existência
Trazendo até a mim a síntese da tristeza e da alegria
Engarrafada dentro do homem de sonhos em cacos
Empacotada dentro da mulher de paciência cansada

Eu não vejo mais a noite como traiçoeira
Agora é a tarde
Com sua machadinha afiada na angústia
Partindo ao meio a vida
Que eu tenho no dia de hoje

Mas o mundo segue a agenda rabiscada em escritórios
Em seu itinerário entre montanhas esfoladas
O sol da tarde que arde em meus olhos só não chora
Por ter sido educado para engolir seus próprios desencantos

O trem da vale passa enquanto eu me desvio dos cancros no asfalto
Levando para o porto o que pode ser um pedaço de Drummond
Que esquartejem o homem de Itabira e repartam seu encanto
Ainda que os continentes não sejam dignos da sublime arte

Eu amo a natureza que respira a história dos homens de coragem
E absorve nossos passos como o cogumelo a matéria orgânica
Eu quero respirar, mas a poeira em minha garganta sufoca
A poesia que era para ser apenas um tempero no tutu de domingo


domingo, 15 de outubro de 2017

DENTRO DE VIDRAÇA E POTE


Um dia é para ser engarrafado
Dentro de vidraças de janela e potes de geleia
Quando a tarde se aproxima lenta e voraz
Saboreando-se com metas não realizadas

O vazio fica no ar onde oxigênio não existe
Um rosto perdido na imensidão do pequeno apartamento
Vaga entre a poeira de uma cidade que se descama
Estrangulando seus homens e mulheres
Tragando seus sonhos adubados com fuligem

Eu venho de um mundo onde a natureza pulsa
Em seu esplendor como um coração feliz
Mas agora piso sobre lençóis de minerais aquecidos
Fritando esperanças em passos apressados

Eu venho de outros enredos onde os dramas não sufocam
E os abraços, ainda que não dados, são mais sinceros
Olhares atentos vigiam a vida em seus rasgos
Aptos para costurar com seus fios pensativos
A simplicidade de andar descalço sobre os atalhos serenos

Eu não me acostumo com as programações urbanas
Ventiladas com redemoinhos sobre o asfalto pálido
Em cada momento que sou produtor, produto e consumidor

Rabisco em minha agenda o próximo passo sem direção

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

FOGO DA INCERTEZA (ROLETILHA POÉTICA)



Aquele sentimento versejado
Pelas mãos do poeta obscuro
Corre o risco de ser carbonizado
Pelo fogo da incerteza do futuro

Aquele sentimento obscuro
Pelas mãos do poeta carbonizado
Corre o risco de ser o futuro
Pelo fogo da incerteza versejado

Aquele sentimento carbonizado
Pelas mãos do poeta do futuro
Corre o risco de ser versejado
Pelo fogo da incerteza e do obscuro

Aquele sentimento do futuro
Pelas mãos do poeta versejado
Corre o risco de ser tão obscuro
Pelo fogo da incerteza carbonizado

Aquele sentimento versejado
Pelas mãos do poeta obscuro
Corre o risco de ser carbonizado
Pelo fogo da incerteza do futuro


NOTA DO AUTOR: Roletilha poética é um estilo experimental criado por mim que ainda está em fase de desenvolvimento. Uma divertida maneira de brincar com os versos.


terça-feira, 10 de outubro de 2017

O PREÇO PELA PRIMEIRA VEZ - CAPÍTULO VIII

                 Meire estava feliz e só não percebia que não a notasse ou não a mirasse como a sua mãe.
        
Meire se felicitava consigo mesmo, conseguira o que queria. Nem que fosse um só momento, amara e fora amada.
         No dia seguinte os olhos de Meire começaram a perder o brilho. Arrependeu-se de ter se entregado logo no primeiro encontro. Ele poderia julgá-la vadia que se entregava a todos que encontrasse. Mas agora nada poderia fazer. Fora a primeira para ele e disso ele jamais esqueceria. Sabia disso. Foi ele mesmo que disse e pareceu ser realmente principiante na arte do amor. Poderia estar mentido e fingindo. Mas não teria necessidade disso.
         Relembrava com emoção cada gesto, cada abraço, cada beijo e cada detalhe. Mas a indecisão sempre entrava sem bater à porta. O que ele estaria sentindo em relação a ela?
         Dois dias se passaram e ele não a procurou nem para dizer que foi bom. Não tinha coragem de ir à mercearia. Quando precisava mandava seu irmão.
         As dúvidas foram brotando com ervas daninhas no meio de uma lavoura.
         Sábado a tarde ela estava no portão quando ele surgiu e já ia passando sem dizer nada.
         — Afonsinho. — chamou quase gritando.
         — Oi Meire, como vai você? Hoje você está linda. — tentou ser agradável.
         — Afonsinho, tudo aquilo que aconteceu entre nós foi maravilhoso para mim. Eu só... — as palavras começaram a faltar — Eu só queria que você não pensasse mal de mim. Eu não sou vadia como você deve estar pensando. Eu só me entreguei por que eu sou apaixonada por você.
         — Olha Meire. — disse Afonsinho depois de um longo suspiro. — eu te acho legal.
         — Então por que você não paquera comigo?
         — Porque eu não estou a fim de ficar com ninguém. Foi bom ter ficado com você. Foi minha primeira experiência e isso deve ser nosso segredo. Mas eu não posso te namorar.
         Mal Afonsinho terminou a última frase, Meire deu de costas e entrou na pequena casa com os olhos cheios de lágrimas.
         Sua paixão por Afonsinho continuou mesmo depois de três meses tentado esquecê-lo.
         Depois de um tempo, mudou para outro bairro onde conheceu Carlos com quem começou a ter um relacionamento.



domingo, 8 de outubro de 2017

AS FRASES


As frases soltas pela folha em branco
Histórias que não rompem o círculo do óbvio
Eu me esqueci de te dizer que nem todo traço
É um divisor de águas no plano das tolerâncias

Amanhã eu posso ver como a vida funciona
Por hoje eu ficarei vendo o mundo balançar
Pela tela do meu smartphone acesso as frases
Que se deixaram ficar soltas pela folha em branco

O que me entala no meio da noite pode passar despercebido
As marcas da angústia não contam na bolsa de valores
Em celulares há mais informação que em latas de sardinha
Mas eu prefiro não expressar o que está no porão da alma

O silêncio cortante em teus lábios fere minha curiosidade
Enquanto passos espalham histórias pelas calçadas do bairro
Vejo as flores que abafam as segundas intenções
Como cortinas surradas em janelas abertas às frases
Que bailam pelo céu da cidade feito vagalumes
Atraídos pelas luzes cintilantes de olhos transeuntes
Eu decifro o silêncio da noite antes que o amanhã apareça