No trabalho ou em casa,
Marli contava às horas que passavam lentamente. Sua colega de trabalho já
começava a comentar como Marli ultimamente andava desligada. Já não caprichava
mais na faxina como antes. Marli desejava que o tempo triplicasse a velocidade,
que o sol não demorasse muito tempo contemplando o mundo de sempre. Caminhando
pelas ruas, eram frequentes os tropeços em pedras e em objetos de forma
atabalhoadamente pela calçada em pelas ruas sem pavimentação. Trafegava pela
cidade sem a costumeira preocupação e sem o precavido costume de olhar a para
os lados. Parecia que naqueles dias ela estava vivendo no mundo da lua ou em
qualquer outro astro do universo, menos no planeta Terra.
Assistindo as novelas,
vibrava intensamente com as cenas de amor. Imaginava ela e seu primo vivendo as
mesmas cenas que os atores. Contos de fada povoavam a cabeça da pequenita jovem
suburbana de uma cidade do interior. Diríamos até que o amor mora em Mutum e
encarnou-se em Marli.
Chegou o fim de semana,
finalmente, que determinaria a metade do tempo para Marli encontrar o seu
Romeu. Foi comum no começo, sem novidade. Marli não queria novidade. Mas quando
planejamos e esquematizamos nossos dias, marginalizamos as novidades, o
imprevisto.
Único dia de folga da
faxineira. Sábado passado foi concessão dos patrões. Marli pela manhã ajudou em
casa. Fez a faxina, descansou e cortou os legumes e ajudou na copa após o
almoço.
A sua tarde foi ocupada
ouvindo música. Ouvia de Zezé Di Camargo e Luciano a Tracy Chapman. Sonhou
acordada com o primo. Beijou-o, abraçou-o, excitou-se. Amou-o sozinha na sua
cama. Pensou: “O que seria dos apaixonados se não fosse a imaginação.” Suspirou
fundo escutando os beijos que sua irmã estava saboreando com seu namorado na
sala.
Sentiu sua bexiga cheia.
Foi ao banheiro. Sentada no vaso sanitário urinou relaxadamente. Em outras
ocasiões detestaria ter que urinar. Julgava as mulheres inferiores por ter que
fazer essa necessidade fisiológica sentada ou agachada. Desta vez não se
inferiorizou, não ridicularizou as limitações anatômicas das fêmeas. Começava a
gostar de verdade de ser mulher. Demorou a perceber que sua bexiga já havia se
esvaziado. Não sentia vontade de levantar. Resolveu ficar mais um pouco ai com
as pernas abertas como se estivesse testando a elasticidade da bermuda e da
calcinha arreadas até o joelho.
Sentiu o vento quente
roçar os seus lábios vulvares. Achou interessante uma gota de urina cintilando
na ponta de um dos pelos próximos à rubra caverna de sonhos e de vida. Sua mão
direita começou a tatear a suavidade branca das partes internas de suas coxas.
Começou a sentir uma excitação tal qual a provocada por aqueles beijos dentro
da orelha há nove dias. Não esboçou nenhuma forma de resistência quando um dos dedos
começou a explorar uma glândula pequena acima da sua uretra. Uma força estranha
e gostosa subia pelo seu corpo liberando uma descarga revigorante por toda
parte. Masturbou pela primeira vez.
Não adianta marginalizar
as novidades. O excluído sempre se rebela. E ali, depois daquela profunda
excitação que deliciosamente queimava Marli por dentro, fazendo daquele
ordinário banheiro um paraíso e da pobre mocinha suburbana, uma Eva sem Adão.
Marli resolveu tomar uma duchada de água fria para aliviar o calor que a
consumia.
Foi até ao quarto, pegou a
toalha listrada de cores fortes e sérias. Voltou rápido. Despiu-se. Recebeu um
jato de água fria no rosto, molhou todo o corpo, começou a ensaboar apertando o
Rexona contra a pele branca. Apertou com mais força na região pubiana
entumecendo os pelos com escuma abolhada. O shampoo na cabeça desta vez também
foi aplicado sem pressa. Tinha tempo e não tinha o que fazer depois do banho.
Não foi a missa. O paraíso
já estava ganho. Pensou assim e logo se arrependeu. Veio a dúvida: e agora?
Será que eu preciso me confessar por ter me masturbado? Será que é pecado o que
eu fiz?
Foi para o quarto levando
consigo a dúvida. Colocou uma roupa simples: bermuda e camiseta. Sentou no
banquinho de frente a rua tentando afastar a dúvida persistente enquanto sorria
para aqueles que passavam por ali em direção ao centro da cidade, seja para a
igreja, seja para o bar.
Dormiu cedo para no dia
seguinte pegar firme no batente. Já que a semana que passou foi
consideravelmente exaustiva.
Acordou mais disposta e
foi para o trabalho. Sua colega, que trabalhava na cozinha, notou logo cedo uma
Marli diferente da semana anterior. Não se parecia mais com um astronauta no
mundo da lua, mas uma guerrilheira com os pés no chão. Fez o trabalho mais
atenciosamente e mereceu até menção favorável por parte da patroa.
Quem também notou a
mudança foi a sua irmã.
_Que bicho tá pegando,
maninha? Perguntou.
_Nada Maria. Nada.
_Uh! Pensa que não tô te
manjando há tempos?
_Manjando o quê?
_O que só não percebe quem
não quer ou não entende de sentimentos.
_O problema é meu. Ralhou.
_Se é algum problema, por
que não me conta? Quem sabe eu posso ajudar?
_Não, não tem problema
nenhum.
_Você mesmo acabou de
dizer que o problema é seu. Então tem problema sim.
_Ah! Maria. É só maneira
de falar.
_Sei. Tô sabendo.
_...
_Ah! Marli. Sabia que tem
um cara nessa rua afinzão de você?
Marli começou a se
interessar pelo papo da irmã. Mudou a expressão facial e perguntou curiosa:
_Quem?
_Curiosidade, heim maninha.
O Carlinhos. Quem me falou foi Carol, a irmã dele.
Marli forçou um riso que
saiu pelo canto da boca.
_Por que você não fica com
ele? Perguntou a irmã de dezessete anos.
_Ah! Eu já tenho alguém.
_Quem? Vai, conta-me.
Interessou a primogênita.
_É o Zé Roberto. Fiquei
com ele no casamento de Marina.
_O Zé Roberto da tia
Joana?
_Sim. Ele mesmo.
_E aí? Conta-me como foi.
_Ah! Foi bom. Eu gostei. Afirmou
Marli que pela primeira vez conversava
sobre esse assunto com a irmã.
_Sabia que eu já fiquei
com o Quizim da tia Aparecida? Começou a irmã mais vivida a abrir a sua vida
para aquela que considerava uma criança até dia atrás. Agora sabia que a mana
mais nova participava do mesmo mundo que ela.
O bate papo que começou
por acaso, por mera curiosidade a partir da observação de Maria, teve que ser
encerrado de supetão com a aproximação de dona Leontina, mãe das moças.
Sem ficar contando as
horas, Marli nem percebeu que a semana já estava quase acabando. O tempo passou
rápido. Quando assustou, já era sábado. Em alguns momentos tinha esquecido que
era nesse final de semana que Zé Roberto viria. Uma vez lembrado, a ansiedade
voltou com menos intensidade desta vez.
Finalmente chegou domingo.
Marli esperava que Zé Roberto chegasse a tarde. A tarde chegou e Zé Roberto
não. Achou que ele chegaria a noite. Certamente iria direto para a rua. Viria só
para ficar com ela e nada mais. Havia combinado com Celina. Aquela sua amiga de
irem juntas. Aprontou-se, entusiasmou-se, sorriu diante do espelho para si
mesma. Chegou a se elogiar. Celina a esperava na sala.
Celina não estava
paquerando ninguém naqueles dias. Iria ficar com a amiga até ela encontrar o
rapaz. Queria conhece-lo. Se ele estivesse com algum amigo lá da roça e se
fosse lhe apresentado, quem sabe poderia rolar alguma coisa. Preferiu deixar
por conta do acaso. Ela havia paquerado várias vezes. Achava os rapazes todos
iguais. Todos com os mesmos papos banais. Diziam que estavam afim, chamavam
para um lugar mais apropriado, beijavam e abraçavam sem nenhum estilo inovador.
Na primeira oportunidade tentavam passar as mãos nos seios. Algumas vezes ela
até deixava, outras não. Dependia do momento, do lugar, do seu entusiasmo.
Marli, chegando com Celina
na pracinha, encontrou algumas conhecidas. Havia três finais de semana que não
vinha a pracinha. Uma delas chegou a perguntar se Marli tinha ficado doente.
Outra, se a mãe tinha lhe proibido sair. Conversou com uma, com outra e o tempo
foi passando. Começou a perder a esperança. Celina preferiu não comentar nada.
Passou muito tempo. Andaram
por toda praça. Não encontraram e nem foram encontradas pelo rapaz. Não. Ele não
veio. Perdeu de vez a esperança depois de circular três vezes a pracinha inteira.
Deve ter acontecido alguma coisa.
Voltaram para casa as duas
mocinhas e despediram-se. Foi então que Celina tocou no assunto. Percebeu que
Marli não estava tão angustiada como se esperava. Disse que lamentava muito e
tentou consolar a amiga.
_Essas coisas acontecem. Mais
cedo ou mais tarde você vai ficar sabendo por que ele não veio.
Trocaram tchaus e foram
dormir.
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