(NOTA DO BLOG: Se você ainda não leu os capítulos anteriores, sugerirmos que você leia primeiro. Links: 01, 02, 03)
Segunda-feira preguiçosa,
enjoativa, Marli não se sentia bem. Preferia não ter ido trabalhar. Mas foi.
Agora é esperar o dia passar. Esfregava o pano quase úmido na cerâmica como
quem quisesse desenterrar de baixo da poeira o rosto de alguém. De alguém que
se chamava José Roberto.
_Por que não veio?
Perguntava para si mesma e tentava responder.
_Não foi por querer. É
como Celina falou: Mais cedo ou mais tarde eu vou saber.
Chegou a hora de ir
embora. Não tinha porque ficar ali. Já cumpria sua tarefa. Já garantira para
aquele dia o pão de cada dia. Apressou o passo para chegar bem rápido em casa.
Queria mesmo era tomar um bom banho e dar uma boa esticada no corpo. Seus ossos
doíam como se tivessem sidos torturados. Caminhava a passos largos e tão presa
a seus próprios pensamentos que nem pressentiu a aproximação da bicicleta de
Carlinhos.
Carlinhos fez questão de
tirar fininho na moça. Claro, era só para chamar atenção. Não estava treinando
para alguma disputa de bicicross e nem estava usando-a como baliza. Era só para
chamar mesmo a atenção e chamou. Ela se assustou, mas não entendeu o que
Carlinhos queria. Não resistiu o rosto dele virado para ela e sorrindo.
Sorriram juntos e foi só.
Chegou a sua casa. Tomou
banho para se livrar do suor misturado com poeira e desencanto. Descansou um
pouco.
Quarta-feira. Marli estava
confusa. Agora era José Roberto e era Carlinhos em sua cabeça. Tentou se
esquecer do segundo, mas não conseguiu. Se for só para chamar a atenção que
Carlinhos tirou aquele fininho de bicicleta nela, chamou. Se tivesse sido só
para dizer para ela que ele existia, disse e as palavras expressas naquele
olhar agora ecoavam na sua mente. Se tivesse sido só para plantar uma
sementinha para ver se germinaria, plantou e ela começava a germinar. Se tivesse
sido para deixar registrado alguma lembrança, conseguiu. A imagem daquele
sorriso ficou gravada no pensamento de Marli. Tentou ser justa com os dois. Era
a única coisa que podia fazer. Dividiu o tempo democraticamente como se divide
esse tal de horário político. Resquícios da maldita ditadura militar. José
Roberto tinha direito de ter mais tempo. Tinha a seu favor dois momentos como
representação, ao passo que Carlinhos tinha apenas o fininho de bicicleta e
aquele sorriso sob o olhar penetrante.
Contou para a irmã. Agora
tinha dentro de casa alguém com quem compartilhar os sentimentos. Não precisava
mais esperar por Celina. A irmã estava ali. Três anos mais velha, experiente,
namorava sério em casa. Já tinha passado por tudo isso que Marli estava
passando agora.
_O que vou fazer?
Perguntou Marli depois de expor a situação para a irmã.
_Se eu fosse você, daria
uma chance para Carlinhos. Ele me parece ser um cara legal.
_E o José Roberto?
_Olha. Você não é culpada
se ele não pode vir domingo. E depois, vocês só tiveram uma paquera. A gente só
precisa ser fiel quando a coisa se torna séria. Coisa de compromisso. Uma
paquera apenas não é digna de fidelidade.
_E como vou me encontrar
com Carlinhos?
_Sei lá. Bola um jeito.
_Não tenho nenhuma ideia. Só
se for lá na pracinha.
_Que tal na casa dele. É
só fazer amizade com a Carol.
_E aqui em casa? Indagou
Marli revirando-se sobre a cama apoiando seus seios sobre o travesseiro.
_Só se for um dia que nem
papai e nem mamãe estiver presente e se ele topar. Arrematou a experiente irmã
que paquerou todos os rapazes da vizinhança e agora parecia querer ensinar a
irmã os macetes e truques para torna-la uma garota desejada. Riram
simultaneamente e Maria repetiu o riso batendo levemente nas costas da outra.
_Juízo Garota. E saiu.
Marli abraçou
apertadamente o travesseiro e pensou em Carlinhos. Ouviu dizer que era
excitante acariciar um peito peludo e Carlinhos o tinha. Aquele rosto moreno
forte, aqueles cabelos e olhos castanhos. Aqueles lábios carnudos ela os queria
para si neste momento.
Deu asas à imaginação.
Fantasiou um encontro numa cachoeira que ela conhecia. Imaginou-se beijando os
lábios salientes de Carlinhos. Acariciando os pelos que José Roberto, loiro,
não tinha. Arrependeu de ter colocado José Roberto na cena. Forçou um pouco e o
tirou do script. Voltou a ficar a sós com Carlinhos na tarde ensolarada.
Decidiu parar com a
imaginação. Saiu para a rua e deu de cara com Carol. Não exitou. Disse um oi
simpático com a moça que correspondeu com um olá acompanhado de um sorrido.
_Bem. Já é o começo.
Pensou consigo.
Voltou para dentro,
sentou-se no sofá e começou a assistir novela.
Quinta-feira. Marli estava
decidida. Na primeira oportunidade daria uma chance a Carlinhos e uma chance a
si mesma. Achou engraçado o modo como pensava e falava de si. Até parece que já
havia paquerado várias vezes. Não, sabia que não. As vezes esquecia. Mas no
fundo sabia persistia a certeza que aquele sábado na roça com seu primo fora a
primeira e única vez até aqui. Celina, um ano mais velha, já havia paquerado
muito e com vários rapazes. Ela, porém, só aquela vez e agora buscaria uma
segunda oportunidade.
Chegou à janela e deixou
ficar-se um pouco. Daí a alguns instantes passou Carlinhos que a olhou e deixou
florescer um sorriso nos seus lábios. Marli correspondeu. Carlinhos não pensou
duas vezes. Manobrou a bicicleta e aproximou-se da janela.
_Oi.
_Oi.
Olharam mutuamente nos
olhos um do outro e Marli até esqueceu que havia um pedaço de parede entre
eles.
_Aquele dia você se
assustou? Perguntou o rapaz para que o diálogo não ficasse só no oi.
_Segunda? Não.
_Depois fiquei pensando se
não foi vacilo eu ter feito aquilo.
_Ah! Então você se
arrependeu.
_Se tiver te assustado, eu
me arrependo e te peço desculpas.
_Bem. Assustar. Até que
assustou, só que o teu sorriso me acalmou.
_Nunca pensei que meu
sorriso pudesse substituir um calmante. Disse humorizando o diálogo. Marli que
tinha falta de jeito para isso. Encontrou um jeito agora, sabe se lá onde.
_Sabia que os calmantes
viciam? Quanto mais você toma, mais dependente você fica.
_Sabia, respondeu o rapaz.
_O teu sorriso também é
assim. Achou que já estou viciada só com aquela dose.
_Pode deixar. Pode ficar
tranquila. Se depender de mim, sorrisos não vão te faltar.
_...
_Bem. Preciso ir embora.
Falou, mas não se movimentou. Só percebeu a aproximação do rosto redondo de
Marli com os olhos cerrados. Beijaram-se. Repetiram o beijo e ele se foi.
Do outro lado da rua, uma
mulher fechou a janela com força só para dizer que foi testemunha do ocorrido.
Mas Marli pouco se importou. Estava feliz.
Assim
que teve oportunidade, contou à irmã. Esta também se alegrou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário