terça-feira, 25 de dezembro de 2018

CONTOS DE UM NATAL SEM LUZ V

CONTOS DE UMA NOITE DE NATAL: Gostaria de compartilhar com você meu conto (Página 60) nessa antologia sensacional, bem como o trabalho dos meus companheiros de escrita pela Editora Illuminare.


https://docs.wixstatic.com/ugd/36e577_9f3c8c1790dd48c8bf82de233a7ac1be.pdf

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

LIGAÇÃO À PEQUENA DISTÂNCIA PARA COBRAR


LIGAÇÃO À PEQUENA DISTÂNCIA PARA COBRAR



            —Alô, Martielly.
            —Não, você não é real. Você morreu há dez meses, você está morto. Eu preciso me consultar com um psicólogo.
            —Eu sei que eu morri. Não precisa me lembrar disso. Eu lembro bem da sua máscara de tristeza enquanto você gargalhava por dentro. Você foi a última imagem de alguém vivo que vi antes da primeira pá de terra sobre meu rosto abaixo do vidro da tampa do caixão. Mas você não foi tão viva assim depois que morri. Matou-me trocando meus remédios por outros comprimidos feitos da farinha de trigo, conseguidos pelo seu amante com um médico fajuto. Você pensa que eu não fiquei sabendo? Depois que a gente morre, descobre-se o quanto de maldade se faz contra a gente.
            — Não foi bem assim. Eu te amei por algum tempo.
            — Você não sabe o que é amor. Eu também nunca te amei, apenas precisava de uma mulher bonita só para ficar bem nas fotos durantes os jantares enfadonhos da minha agenda. Se você soubesse amar de fato, amarrar o coração de um homem com sua sedução, o bobão do seu amante não teria te dado o golpe. De que adiantou você me matar? Agora está aí prestes a perder a última coisa que ainda te resta, a nossa casa de campo. Amanhã ela será leiloada pelo que estou sabendo.
            — Para quem já foi para o céu, você está sabendo demais.
            — Quem te disse que eu fui para o céu? Não querida, eu não fui para o céu.
            — Pro inferno, então?
            — Não, chuchuquinha. Eu não fui bom o suficiente para merecer o céu e nem mau o bastante para ser despejado no inferno. Eu estou vindo do purgatório.
            —Vindo? Como assim? Vindo para onde? E eu odeio quando você me chama de chuchuquinha. Deixe-me em paz, por favor.
            — Calma meu benzinho. Estou em liberdade condicional.
            — Você sai ao dia e volta à noite?
            — Não, saio à noite e volto ao dia.
            — Sai para quê?
            — Depois de algum tempo no purgatório, você recebe uma proposta. Ou você perdoa todos que te traíram e vai para o céu, ou você volta para se vingar. Advinha o que eu escolhi.
            — Já sei, você está se despedindo de mim antes de ir para o céu.
            — Resposta errada.
            — Vou está vindo vingar-se de mim?
            — Já estou aí.
            — Onde.
            — No lugar em que você escondeu seu amante naquele dia em que eu tentei te pegar no flagra.
            — Dentro do guarda roupa?
            — Isso mesmo, a dois passos do seu pescoço. Agora apenas um.
            — Ah não, por favor.


quinta-feira, 15 de novembro de 2018

CONTOS DE UM NATAL SEM LUZ - VOL. 5

Uma vila, 20 casas, vinte histórias que mostram que nem todos podem ter a alegria de um verdadeiro Natal.
Vinte autores selecionados criando contos dramáticos que vão te fazer refletir sobre como pode ser a tão sonhada noite de Natal.
Publicação EDITORA ILLUMINARE - 100% Gratuita.
Ebook gratuito no site da editora após lançamento da obra em 8 de dez de 2018 - 14:00 - Biblioteca Viriato Correa - São Paulo - SP.



Casa 1 – Lorena Caribé – Conto: Uma Vida Nova
Casa 2 – Eloisa Alcântara – Conto: A Ceia
Casa 3 – Carlos Asa – Conto: Um Presente Amargo
Casa 4 – Tatiana Honorato – Conto: Façam Silêncio
Casa 5 - Mhorgana Alessandra – Conto: Voa, Voa, Joaninha
Casa 6 – Márcia Pavanello – Conto: Natal dos 15 Anos
Casa 7 – Adnelson Campos – Conto: Mais uma Chance
Casa 8 – Marissol Lorenço – Conto: O Natal do Palhaço Exilado
Casa 9 – Nicole Ayres – Conto: O Duende
Casa 10 - Bárbara Lúcia – Conto: A Espera
Casa 11 – Ro Mierling – Conto: Menininha
Casa 12 - Regiane Silva – Conto: Os Presentes de Natal
Casa 13 – Deborah Petrova – Conto: Eu não Tive Culpa
Casa 14 – Fernando Callado – Conto: A Última Casa da Vila
Casa 15 - Srta. Mendes – Conto: Santa Claus
Casa 16 – Sergio Mattos – Conto: O Corpo que Fala
Casa 17 – Michelle Fagundes – Conto: Girassóis
Casa 18 – Claudio Mendes – Conto: Na ausência de Esperanza
Casa 19 – Susan Cruz – Conto: O Pinheirinho
Casa 20 – Rudson Xaulin – Conto: Banquete de Sangue

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

O CHORO DOS ANJOS - MINICONTO


Eu sempre revezo com meu filho nas aragens de terra. É o momento propício para fazer uma boa grana, assim ele trabalha uma parte do dia enquanto eu durmo e tenho condições orgânicas para virar a noite quando pego os terrenos maiores. Mas essa semana, após um desentendimento típico de pai e filho, o desgraçado arrumou outro serviço. Praguejava sempre que ele me fazia falta e o cansaço me abatia. Naquele dia eu teria que virar a noite arando. O terreno era grande, porém com um cercado bem no meio. Isso iria dificultar ainda mais. Era aproximadamente 02h00 na noite escura quando comecei a arar próximo ao quadrado cercado com arame farpado. Eu tinha que manobrar para aproximar bastante do perímetro. Na quarta vez que eu estava se aproximando cochilei no volante. Quando me recompus, o trator havia rompido o arame enferrujado e feito um sulco profundo sobre o terreno. Desliguei o trator, respirei fundo e acendi um cigarro. Comecei a ouvir o choro de uma criança, estranho, o choro era forte e nenhuma casa por perto, agora são duas crianças, e agora três, quatro, algumas, várias, uma orquestra de choro infantil. De onde vinha? Parece que vinha do solo. Peguei a lanterna e vi o sulco na terra cheio de sangue. O solo sob meus pés se mexia e formavam rostos de crianças. O som do choro era persistente. Subi na máquina e tentei ligá-la. A chave quebrou na ignição. Um cheiro de óleo diesel tomou conta do ar. Desci novamente e percebi o tanque estava furado. Vi o combustível manchando asas de anjos sobre o chão. Tremi e meu cigarro caiu aceso sobre o líquido inflamável. O meu girico pegou fogo. No clarão da chama detectei uma mantilha se aproximando. Todos os cães do córrego vieram para o mesmo lugar, rodearam-me. Por alguns instantes, tanto eu quanto eles, ficamos imóveis. Mas quando trisquei a botina no chão para assustá-los, avançaram sobre meu fatigado corpo. Abocanhavam qualquer parte e mim. Arrastaram-me para fora do terreno. Atacavam-me como se fosse enxame de abelhas. Uma presa rasgou-me no pescoço, foi a mordida fatal. Apenas um corpo sem vida e todo retalhado sobre a terra arada foi encontrado na manhã pelo dono da propriedade. Não sei se seria diferente se tivessem me avisado que aquele cercado era um cemitério de anjos, lugar onde se enterravam natimortos.

domingo, 23 de setembro de 2018

MISSÃO SUBURBANA - SORTEIO PRIMAVERA LITERÁRIA




MISSÃO SUBURBANA

Há três anos completei dezoito de vida. Por muito tempo eu ensejei por esse momento. Confesso que me decepcionei um pouco. Nada de novo após o dia do meu aniversário.
Tratei de rapidamente conseguir meu primeiro objetivo, a habilitação para moto. Há dois anos comecei a cursar engenharia civil em Manhuaçu, distante a 110 quilômetros da minha cidade, e gasto meu pequeno ordenado que ganho, como balconista em uma loja de material de construção, entre mensalidades na faculdade e economias para adquirir ao menos uma 125 cc.
Outra conquista importante, para um jovem de vinte e um anos, é o cartão de crédito. Pareço inserido agora no mundo capitalista. Só falta um motor para eu me locomover. Não é fácil para um morador do morro. Somos identificados com a violência que aqui campeia, sobretudo agora, que há tráfico declarado e o controle feito pela turma do movimento.
Pego meu smartphone e começo a vasculhar uma moto nos sites de compra e venda, tipo Mercado Livre. Vou vasculhando com cuidado.
Encontro uma filezinha, seminova, com preço muito em conta. Anoto o telefone de contato. Não é de uma cidade longe. Tomara que o dono me atenda. Vou pechinchar um pouco, vê se sai mais em conta.
Pechincha feita, negócio fechado. A moto sai mais barata que eu esperava. Todas as minhas condições são aceitas. Assusto-me. Nenhuma imposição por parte do vendedor. Lembro-me do ditado popular: Santo quando vê muita esmola, desconfia.
Combinamos que ele vai entregar-me a moto na faculdade depois de amanhã. Preciso de um dia para ir ao banco e levantar a grana e ele fazer a transferência dos documentos.
No banco, nenhuma dificuldade. Levanto a grana que preciso.
Chega o dia. Assim que desço do ônibus, lá está o sujeito conforme ele se descreveu. Baixo, de jaqueta de napa, capacete na mão. Até o capacete virá junto com a moto. Os documentos já transferidos por eu ter passado os dados para ele. Muita gentileza da parte do vendedor. Entrego em um envelope o montante. Se eu contar como foi fácil, não haverá ninguém que não desconfie que eu esteja mentindo. No mínimo, eu estou aumentando os fatos.
Não assisto às aulas do dia. Ansioso, pego minha moto e retorno para Mutum. A certa altura acelero. A moto começa a sair do chão e decola. Acho estranho. Subi até ganhar as nuvens. Aí pego uma velocidade incrível, parece ser aquelas naves do Star War. Devo estar na velocidade da luz.
Em menos de dois minutos eu estou em um lugar muito frio, em frente a uma casa humilde, coberta por neve. Minha moto virou um trenó puxado por dois pares de renas. Desço da moto e bato palmas. Um anão vem me atender.
— Pois não. – Fala a minha língua.
— Não estou estendendo nada. Estava voltando para casa e vim parar aqui. — falo meio gaguejado.
— Chefe, o brasileiro chegou. – diz com o rosto voltado para dentro da casa.
Aparece um senhor idoso que reconheço como Papai Noel. Exclamo:
 — O senhor parece o Pa...
— Papai Noel. Sim, sou eu. Você está na Lapônia. Entre, aí fora está muito frio.
Entro e ele foi logo falando assim que me sento.
— Você foi escolhido para estar aqui. Sua moto é mágica. Ela é que te trouxe. Você vai voltar e vai transmitir dois recados para o chefe do movimento na sua comunidade: Ele quer impedir a igreja de fazer a entrega dos presentes de natal para as crianças, diga a ele que não impeça. O segundo recado é para ele suspender a distribuição de drogas durante os festejos de natal e ano novo.
- Eu? Como?
- Vá até ele e diga o que eu estou mandando. É uma missão.
Quero perguntar mais. Mas o velho e mais três anões se recolhem no outro cômodo me deixando sozinho.
Saio da casa e entro no trenó, as renas começam a correr. O fenômeno ocorre de forma inversa. Volto para a estrada no mesmo lugar em que a moto voou. Parece uma alucinação, mas é real. Eu vejo, eu sinto.
Chego afoito em casa. Ainda são 22h15. Resolvo ir ao encontro do chefe do tráfico, conhecido como chefe do movimento.
- Quero falar com o chefe.
- Pode dizer que eu transmito. - Fala o rapaz que faz a guarda da sede.
- É um recado direto.
Diante agora do chefe armado e sorridente, eu tremo.
- Trago para você dois recados do Papai Noel.
Gargalham tanto da minha cara que chegam a babar.
- Verdade. Se você não deixar o pessoal da igreja distribuir os brinquedos e não suspender a distribuição durante as festas natalinas e de final de ano, você não terá mais mercadoria.
- Sai daqui moleque. Parece que fumou baseado vencido. Tá malucão. Não temos tempo para isso.
Saio da sede do movimento meio cismado com a situação. Nunca tinha feito um papel tão ridículo.
Manhã do dia seguinte. Acordo da noite mal dormida. Assim que piso do lado de fora, vejo dois caras do movimento no portão.
- O chefe quer falar com você. – Levam-me até ele.
- Que palhaçada é essa, garoto? Que história é essa de Papai Noel me enviar um recado?
Conto para ele toda aquela maluquice da noite anterior. Como eu tinha comprado minha moto e o que aconteceu na estrada. Ele me ordena que eu o entregue a moto. Tive que atender.
Ele me retém na casa enquanto um de seus comandados sai na minha máquina mágica.
Durante esse tempo fico sabendo que toda mercadoria dele tinha virado balas, doces e pirulitos.
Quando o comandado volta, ofegante, conta que passou pelo mesmo que eu. Ele havia se encontrado com o Papai Noel. Até a transformação da moto em trenó e renas é constatada.
— E aí gente. O Mané também tá pirado.
— Não é piração não, chefe. Eu vi, eu senti. Os recados são os mesmos de ontem.
Sou liberto. Arrumo uma desculpa no trabalho para a minha falta naquele dia. Não vou também à faculdade. É final do período e minha situação já está resolvida em todas as disciplinas.
Chegando o natal, percebo a comunidade bem alegre. Há distribuição de brinquedos pelo pessoal da igreja. No ano novo é a vez do pessoal do movimento distribuir brindes entre as crianças. Parece que há uma trégua na distribuição da mercadoria. São dias de paz na quebrada. Se eu contar como foi difícil para eu fazer parte dessa missão, não haverá ninguém que não desconfie que eu esteja mentindo. No mínimo eu estaria aumentando os fatos. Dirão que é tudo fantasia da minha cabeça.


OBS: PARA PARTICIPAR DO SORTEIO, COMENTE AQUI, NÃO ESQUEÇA DE COLOCAR SEU NOME NO COMENTÁRIO SE VOCÊ NÃO TEM CONTAR NO BLOGGER. OU NO ESCRITOS DO CLÁUDIO NO FACEBOOK (FB/ESCRITOS DO CLÁUDIO)


LINK PARA OS CONTOS JÁ POSTADOS



CRITÉRIOS PARA PARTICIPAÇÃO NO SORTEIO

UM DEDO DE FELICIDADE - SORTEIO PRIMAVERA LITERÁRIA



A pessoa caiu dentro de um poço. Diziam todos que era muito profundo. Mas quando ela foi resgatada, não tinha nenhum osso quebrado. Pela noite, na pequena vendinha do vilarejo o assunto era o fato.
Encontrei com ela quando eu voltava para casa em minha velha bicicleta. Ela estava indo para o vilarejo em sua charrete puxada por uma égua que outrora tinha sido minha. O animal parece ter reconhecido minha voz na escuridão.
A pessoa disse que precisava me entregar algo estranho que ela tinha encontrado no fundo daquele posso. Fiquei assustado.
Ela ligou sua lanterna e tirou do bolso um embrulho pequeno. Entregou-me. Abri com a curiosidade saltando dos meus olhos que logo foi substituída pelo espanto. A pessoa tinha acabado de me entregar meu dedo que eu havia perdido há três anos picando as costelas de um porco com uma machadinha muito afiada.
Em casa, olhando à luz da lamparina aquele artefato que já tinha sido parte de mim, lembrei-me que havia sido dito na vendinha ser a égua que havia o derrubado dentro do poço. Foi o mesmo animal que me viu cortar o dedo enquanto pastava próximo à varanda enquanto eu desossava o porco para alimentar a família e fazer algum dinheirinho com os torresmos. Eu havia vendido o animal para pagar algumas dívidas que não estava conseguindo saldar, entre elas, a da farmácia onde comprei todo medicamento para cicatrizar minha mão.
A pessoa em questão nunca foi carinhosa com o animal. Minha mãe, por causa do Alzheimer, havia esquecido onde colocará meu dedo. Então, minha velha égua, que a viu jogar o dedo no poço no sítio vizinho, pensou certamente que se eu tivesse aquele pedaço de mim de volta, poderia buscá-la para onde ela era feliz.


PARTICIPANDO DO SORTEIO: Pode comentar aqui no blog, deixe seu nome no final do comentário. Ou pode comentar no grupo do facebook, link abaixo.


VITÓRIA: CONTO DE 22-09-18

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sexta-feira, 21 de setembro de 2018

VITÓRIA (SORTEIO PRIMAVERA LITERÁRIA)



VITÓRIA

— Você tem certeza que ama aquele homem?
            — Tenho certeza sim, dona Leni.
            — Mas ama de verdade?
            — Sim, meu amor por ele é de verdade.
            — Mas ama mesmo, do fundo do seu coração?
            — Amo do fundo do meu coração, dona Leni. Eu já contei para a senhora a nossa história, lembra? Eu falei como tudo começou. Foi naquela fogueira de Santo Antônio que meu falecido vô tinha como tradição fazer todo ano em sua fazenda. O Carlos tinha ido acompanhar seu pai que tocava viola. Eu me interessei por ele. Tinha dezessete anos. Naquela época eu estava estudando o segundo ano do ensino médio aqui na cidade. Todo dia eu pegava o Escolar bem cedo para vir estudar. Era estudar e trabalhar. Até conhecer Carlos, eu tive algumas paquerinhas, mas foi com Carlos que comecei a namorar sério.
            — Em casa?
            — Não. Aqui na cidade. Ele trabalhava fazendo cobranças. Então eu que não era excelente aluna, mas mediana, comecei a matar aulas para ficar com ele que começou a matar o trabalho. Aí, com dezenove anos, ele foi mandado embora do seu primeiro emprego. Enquanto ele não arranjava outro, e parecia que não queria arranjar, nós passávamos a maioria das manhãs juntos. Minha mãe descobriu e me tirou da escola. Aí quase não nos víamos mais. Somente nos finais de semana que ele ia a Centenário.
            — E aí então ele tomou coragem e foi em sua casa pedir para namorar?
            — Que nada! Ele dizia que não tinha coragem, e mais, que tinha vergonha de ser a causa de eu parar de estudar. Eu disse que ele não era a causa, eu já não estava mesmo a fim de concluir o ensino médio e continuar morando na roça cozinhando para companheiro e lavando roupa de toda família. Em um domingo que houve um jogo importante lá em Centenário, combinei com ele de fugirmos naquele dia. Estava tudo preparado. Ele disse que naquele dia não dava. Que poderia ser no dia seguinte. Tinha que arrumar as coisas. Combinamos tudo para ser na segunda-feira. Quando chegou a segunda-feira, esperei todo mundo lá em casa dormir, peguei a mochila com minhas principais roupas e sai pé por pé. Abri a porta devagar, caminhei durante uns vinte minutos até chegar à encruzilhada que combinamos. Ainda bem que era lua cheia nesse dia. Ele estava lá com uma moto emprestada. Foi assim que eu vim morar com ele.
            — Menina, você arriscou demais. Até parece que você não tinha juízo nessa época.
            — Se eu tinha juízo ou não, eu não sei. O que eu sei é que eu estava perdidamente apaixonada por ele. Viemos morar na casa de sua mãe que já era viúva e aposentada. Começamos dormindo no chão. Depois fomos economizando e construímos um barraco com dois cômodos e um banheiro nos fundos. Ele começou a trabalhar de ajudante de pedreiro e eu de faxineira. Com o tempo meus pais aceitaram e voltaram a conversar comigo.
            — E como você foi trabalhar no PSF?
            — Com a nossa situação equilibrada, Carlos queria ter um filho. Mas pedi a ele mais tempo. Voltei a estudar no EJA para concluir meu ensino médio e depois fiz o curso técnico em enfermagem. Se por um lado, foi bom por que eu tive um diploma e uma profissão, por outro lado, foi durante meus estudos que a coisa começou a desandar para o nosso lado. Enquanto eu ia para a escola, ele ira para o bar com um rapaz que também trabalhava na mesma obra que ele. Os dois ficaram superamigos e começaram a beber e jogar sinuca. Todo dia, quando eu chegava cansada da faxina e dos estudos, Carlos vinha com bafo de cachaça. Depois comecei a notar falta de dinheiro. Seu salário nunca sobrava. Teve mês que só tinha o que eu ganhava com as faxinas para fazer compras. Fui ficando triste e não estava vendo outra solução a não ser me separar dele.
            — Ih, o tal vício da cachaça é terrível. Aliás, qualquer vício destrói a família.
            — Ainda aguentei o que pude. Mas teve um dia que eu estava voltando para casa com pressa para almoçar e pegar outra faxina na parte da tarde quando encontrei com seu Douglas na rua me perguntando pelo Carlos. Fiquei assustada com a informação do pedreiro com o qual Carlos trabalhava. Eu tinha feito o almoço pela manhã e ele estava se arrumando sair quando fui para a primeira faxina. Seu Douglas me encarregou da péssima notícia, Carlos estava despedido. O homem justificou dizendo que há muito tempo Carlos não vinha trabalhando direito. E agora começou a faltar. Cheguei a minha casa e comprovei que realmente ele não tinha ido trabalhar. Só não tinha ido como tinha bebido a manhã toda. Fiquei furiosa. Fui discutir com ele as consequências da sua embriaguez, ele me lascou uma bofetada no rosto. Rodopiei e cai zonza no chão. Decide com meu rosto roxo colado no cimento frio que iria deixa-lo. Foi o que eu fiz. Fiquei na casa de uma colega do EJA por quatro dias até achar um lugarzinho para morar e recomeçar minha vida. Foquei nos estudos, conclui o segundo grau e o técnico em enfermagem. Veio o concurso da prefeitura, dediquei-me ao máximo e fui abençoada com aprovação em segundo lugar. Então fui trabalhar no PSF com pessoas boas como a senhora.
            — Vem cá minha filha, dá aqui um abraço.
            Enquanto as duas colegas de trabalho se abraçavam, Carlos havia comprado sua passagem e agora estava no hall de embarque do terminal rodoviário bem de frente para as duas. Assim que as duas mulheres terminaram de se abraçarem, os olhos de Ronilza encontraram se com os olhos de Carlos. Ele se levantou e ocupou a cadeira vaga ao lado da sua ex.
— Vai viajar?
— Sim, eu vou curtir minhas férias com Leni. E você?
— Vou também. Para onde você vai?
— Vitória. E você?
— Para Vitória também.
— Coincidência, não.
— Ronilza, eu estou limpo. Eu deixei de beber.
— E de me amar?
— Não, isso eu não nunca deixei. Eu sinto tanta saudade de você. E você ainda me ama?
— Eu também nunca deixei de te amar. — Ronilza olhava bem nos olhos de Carlos. Os dois sorriram juntos. A mão dele procurou pela mão dela. Foram se aproximando até seus lábios se tocarem.
Ao lado dona Leni já não se aguentava de tão contente por seu plano ter dado certo antes mesmo da viagem começar. Decidiu não ir mais viajar com Ronilza. Não precisava. Sua missão estava cumprida. Saiu sem que eles percebessem. O casal só deu falta dela quando os alto-falantes do terminal os trouxeram para a realidade.


NOTA DO AUTOR: Obrigado pela leitura. Agora preciso da sua colaboração como condição para participar do SORTEIO PRIMAVERA LITERÁRIA. Você pode deixar seu comentário aqui mesmo no blog ou ir para a página do grupo no FB/CONTO_VITÓRIA e deixar na postagem referente a esse conto sua contribuição. Pedimos que o comentário tenha no mínimo 20 caracteres. 

BOA SORTE NO SORTEIO

sábado, 15 de setembro de 2018

SORTEIO PRIMAVERA LITERÁRIA: CRITÉRIOS


CRITÉRIOS DO SORTEIO

Para celebrar a chegada da Primavera e fazer florescer o gosto pela literatura, o blog Escritos do Cláudio promoverá sorteio de duas obras:
    UNI VERSOS: Livro de poemas, de nossa autoria, escritos nos anos 90 transpirando militância social e pastoral em versos unidos para retratar uma época refletida na alma do poeta.
   DE A A Z, CONTOS SELECIONADOS: Antologia da Editora Illuminare com nossa participação através do conto GAIVOTA.

Durante quatro dias (22 a 24 de setembro de 2018) serão postado 04 contos no blog ESCRITOS DO CLÁUDIO, com link na página do nosso grupo no facebook (FB/ESCRITOSDOCLAUDIO). E na nossa página pessoal. A partir das 23h00 no dia anterior.

Os contos não serão longos, ainda não publicados, para facilitar a leitura em pouco tempo, indicados a partir de 14 anos.

Os contos possuem temáticas variadas, para atender a heterogeneidade dos nossos leitores;
Conto dramático: VITÓRIA. (22/09)
Conto insólito: UM DEDO DE FELICIDADE. (23/09)
Conto fantástico: MISSÃO SUBURBANA. (24/09)
Conto de suspense sobrenatural: O CHORO DOS ANJOS. (25/09)

Para cada conto lido e comentado por você corresponderá a uma vez que seu nome entrará no sorteio, dando-te a oportunidade de concorrer os dois livros com mais chances se vier a ler os 04 contos.

Em seu comentário na página do grupo no facebook você poderá:
  •       Ajudar-nos na revisão ortográfica e gramatical;
  •      Comentar sobre os personagens (Seja protagonistas ou antagonistas), realçando seus vícios e virtudes;
  •       Fazer uma crítica construtiva para nos ajudar a melhorar nossos escritos;
  •      Não vale dizer apenas Gostei. Justifique seu comentário;
  •     Também entrará no sorteio quem compartilhar com 04 (quatro) amigos no facebook os post feito no grupo do blog.

LINKS PARA OS CONTOS

CONTO DO DIA 22/09/2018
SÁBADO

CONTO DO DIA 23/09/2018
DOMINGO
UM DEDO DE FELICIDADE


quarta-feira, 5 de setembro de 2018

TERCEIRO ANO DA CASA - PARTE 1

Compartilho três poemas para homenagear a Casa Dos Poetas e da Poesia (http://casadospoetasedapoesia.ning.com/) pelo seu terceiro aniversário. Creio que virá em forma de Antologia brevemente, assim como no primeiro que participei.








domingo, 2 de setembro de 2018

NA TERCEIRA FASE DA LINHA DE PRODUÇÃO





O que estamos produzindo?
Sei que é preciso foco. Mas as ideias afloram como erva daninha. Na terceira fase de produção, aquela em que já temos os textos, passando por releitura, revisão gramatical e editoração para vir a ser publicado. Quando? Quando der.

POEMAS
RIMAS DE UM VASTO CORAÇÃO: Reunindo 75 acrósticos da série Acrosticando e 75 rondeis.

DECALOGIAS POÉTICAS: Uma experiência única, até então, de produzir 10 poemas por dia em torno de uma temática, em 10 dias seguidos.

DISENTERIAS POÉTICAS: Uma defecada de versos na cara do sistema e da superficialidade da vida.

EDIÇÃO EXTRA I e II: Poemas atuais produzidos sem estar dentro de um projeto específico.

EXTREMOS PERIFÉRICOS MENTALIZADOS: Experimentais produzidos a partir de propostas no Recanto das Letras.

GOTIKLAUS: Coletâneas de poemas góticos dentro de uma cosmologia particular do autor.

INSIGHT SÓCIO-POÉTICOS: Poemas ácidos, críticas sociais e dramas existenciais.

POEMAS EM PÓ: Poemas curtos, haicais e quadras.

KARNIFICINA POETRIKA: Primeira coletânea de poetrix.


CONTOS

O CASTELO DE ALICE: Contos participantes de antologias e inéditos como O PORTADOR.

A MORTE SEM DESCONTOS: Uma coletânea de 10 contos de terror.

A INSANIDADE EM TREZE ALFINETADAS: 169 contos minimalistas (nanocontos, microcontos e minicontos).

PEQUENOS ESPAÇOS, GRANDES NARRATIVAS: Contos minimalistas falando do cotidiano e das relações humanas.


NOVELA
PREÇO & RECONCILIAÇÃO: Da série DUOLOGIAS DRAMÁTICAS.


sexta-feira, 10 de agosto de 2018

A INSANIDADE EM TREZE ALFINETADAS> QUINTA ALFINETADA


A FERRAMENTA
Nem a dureza dos ossos detinha a sua machadinha. Uma língua vermelha, com a ponta bifurcada, discretamente a lambia deixando o aço bem afiado. Ele então estava pronto para a ceifa de toda sexta-feira.

A NOIVA
Quando ela descobriu a data do falecimento e o local em que ele foi sepultado, já tinha se entregado de corpo e alma ao moço bonito. Agora tenta arrancar do dedo o anel de noivado, mas não consegue. Mesmo quando decepa rente à mão, outra cresce já com o sinal do compromisso feito.

CETICISMO
Vasculhou os porões da casa em busca de sinais. Pisava sobre alguns, mas era cético demais para entender. Quando abriu o baú velho não teve dúvida. Mas já era tarde. As serpentes lhe devoraram o cérebro e as demais vísceras. O que restou do seu corpo ficou como prova para o próximo aventureiro confirmar que de fato a casa é mal assobrada.

EXORCISMO POR CORRESPONDÊNCIA
A multidão se aglomerava em volta da mulher possessa na calçada da avenida. O pastor viu no fato a oportunidade de arrebanhar fiéis. Fez o exorcismo como aprendera no curso a distância. Agora seu sucessor toma conta do rebanho já que ele está acorrentado no seu quarto para não devorar suas próprias ovelhas.

INSANOU-SE
Não suportou a traição. Traiu sua sanidade.

KALIÃ
Ninguém nesse mundo ama Kaliã. Ela não é do amor. Soube disso quando matou a mãe enforcando-a com o cordão umbilical.

NA SEÇÃO DE FRIOS
Fez da vingança um prato frio guardado no freezer.

NADA EM ESPELHOS
04h00, bêbado, vê-se fantasmas. Exceto se for um.

O TIO DO ARMÁRIO
Brincava tão bem que as crianças o adoravam. Ele era o titio que saía toda noite de dentro do armário. No fim da brincadeira ainda tinha balas para todos. Mal sabia as crianças que o doce da bala se tornaria uma amarga maldição para toda vida.

QUESTÃO DE IMAGEM
Sua imagem não se registrava em fotos e nem se refletia nos espelhos. Mas no apavoramento de suas vítimas ele era mais que real.

RECHEIO DE CARNE
Quando os gatos acabaram, foi a vez das crianças.

ROTINA
Pela manhã em seu carro ela estava no banco do carona. No escritório, era dela a imagem que aparecia na tela do computador apesar do antivírus. No restaurante era ela na mesa ao lado. Durante o dia ele suportava. Mas toda noite que ela estava em sua cama de lingerie, ele a sufocava e a estrangulava. Depois a levava para o porão. Tirava quatro tábuas do assoalho e a enterrava no mesmo local da primeira vez, há oito anos.

ZUMBIAÇÃO
Caiu vivo e ergueu-se morto, caminhou.

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

AS PEGADAS (TRINCA DE POEMAS CURTOS)



AS PEGADAS

Aviso ao homem parado que o mundo morde
Arranca a orelha e nos faz sangrar pelos sonhos
Deixa um gosto amargo entre risos de hipócritas
Ninguém avisa quando o vento vira um furacão

Existe merda adubando as flores viçosas e cães
O amor entra pelas unhas de uma bela canção
E a vida pisa firme sobre canteiros e lençóis rotos
Deixando as pegadas para os historiadores tecerem

Só preciso abrir a porta e respirar o ar envenenado
Mas a manhã me sorri com seus olhos maliciosos

***

A HONRA


Minhas princesas se descabelaram
Diante das batalhas perdidas
E do reino afogado em sangue

Derrotado, ainda assim eu sigo
Alimento-me do gosto do perigo

Meus castelos se desmoronaram
Diante dos ataques inimigos
Mas a honra permanece comigo

***

A LUTA

Vou correr para abraçar meu amor pela última vez
A vida é frágil
A morte é ágil
As flores são serenas em seu fenecer no verão

Vou curtir o único e último adeus a mim dispensado
Pelos olhos fixos
Pela fêmea forte
Que foi a mulher me defendendo em batalhas inóspitas

Sigo a luta firme
Os dragões que devoram rotas moram na próxima esquina


domingo, 29 de julho de 2018

A SAGA DO GUERREIRO (TRINCA DE RONDÉIS)



TRÊS RONDÉIS POSTADOS NO RECANTO DAS LETRAS


 A SAGA DE UM GUERREIRO
 
Minha vida segue sem roteiro
Por essas estradas lamacentas
E essas flores do meu canteiro
Estão cada vez mais fedorentas
 
Doce arde mais que pimentas
No mundo regido por dinheiro
Minha vida segue sem roteiro
Por essas estradas lamacentas
 
Nem sei se estou mais inteiro
Ou em cacos nas horas lentas
Apenas sigo sendo guerreiro
Enfrentando lutas sangrentas
Minha vida segue sem roteiro



EMBRIAGUEZ DE AMOR

Quando eu me embriago de amor
Bailo feliz na noite da rua deserta
Sonho anestesiando a minha dor
O coração é casa de porta aberta
 
Mente preguiçosa agora é esperta
E respiro fundo o perfume da flor
Quando eu me embriago de amor
Bailo feliz na noite da rua deserta
 
Sigo a alegria seja pr’onde ela for
O cupido mesmo cego me acerta
Acendendo em mim todo fulgor
Então qualquer hora é hora certa
Quando eu me embriago de amor






PARA FICAR EM SEGREDO

Baixinho para ficar em segredo
Sussurro para ti um eu te amo
Só não sei do que temos medo
Um dia liberdade eu proclamo
 
Para nós dois uma fuga tramo
Para ver se muda nosso enredo
Baixinho para ficar em segredo
Sussurro para ti um eu te amo
 
Você entende que ainda é cedo
Para assumir o caso que chamo
De amor já sólido feito rochedo
Mas te entendo, pouco reclamo
Baixinho para ficar em segredo


MAIS RONDÉIS

terça-feira, 24 de julho de 2018

INVESTIGADOS E RÉUS


         
(CONTO POLICIAL)

A sala era bem decorada com quadros pintados das mais variadas cores que nos transportavam através do tempo e espaço.
         O juiz sentado no sofá escuro olhava cada um como se estivesse no seu tempo de detetive, procurando uma prova para comprovar o crime e, no papel de juiz agora, dar a sentença final.
         De repente Margareth aparece na porta com sua bermuda estampada realçando a superfície abronzeada de suas coxas que sustentavam o resto do corpo moreno arrematado pelos cabelos castanhos, escovados um pouco antes. O juiz se espantou com sua presença. Os olhos que até minutos atrás vasculhavam a grama verde dos quadros passou a vasculhar aquele corpo de um metro e setenta e seis centímetros, de olhos castanhos claros e lábios carnudos.
         — Boa tarde, Dr. Brandão.
         — Boa tarde, Margareth.
         — Meu pai está no banho, daqui a pouco ele vem falar com o senhor.
         — Está bem, não se preocupe comigo. Estou apreciando a arte desses quadros. — apontou para as pinturas emolduradas na parede.
         Margareth deu alguns passos e sentou sensualmente no sofá menor enquanto o juiz se ajeitou melhor no grande sofá, fixando seus sexagenários olhos no bronze encorpado da garota.
         Passaram-se alguns minutos sem palavra alguma até o juiz quebrar o silêncio.
         — Margareth, você estuda?
         — Não doutor, eu não estudo mais. Eu terminei o ensino médio há dois anos. Sabe, eu sou um pouco preguiçosa. Acho que não me dou bem com os livros.
         — E com o que você se dá bem?
         — Sei lá. Talvez com os amigos.
         As últimas palavras de Margareth foram misturadas com o barulho dos passos da serviçal entrando na sala com a bandeja de café destinada ao juiz.
         — Aqui está. — disse a moça cordialmente e depois virou, tomando o rumo da cozinha com seus dezessete anos de idade, ainda concluindo o ensino fundamental, à noite.
         Margareth sentiu uma vontade irresistível te acompanha-la, imaginou a moça à beira da máquina de lavar roupas com aquelas duas coxas brancas. Vagou pela sua mente um desejo sútil e proibido. Seus olhos começaram a brilhar.
         O juiz, pressionando o couro do sofá com suas nádegas enquanto deliciava-se com o café fresquinho, percebeu a mudança de expressão no rosto de Margareth com sua experiência de tantos anos observando reações de investigados e réus, perguntou a ela o que havia acontecido.
         Margareth não soube responder, resmungou alguma coisa incompreensível, pediu licença e foi para o seu quarto.
         Ao sair da sala, ela esbarrou com seu pai que já estava chegando para fazer sala ao sexagenário senhor de fala e gestos meticulosos.
         Chegando a seu quarto, deitou-se sobre o colchão que sempre fora testemunha das suas angústias. O novo ambiente em nada ajudou a apagar a imaginação libidinosa. Ao contrário, passou a lhe dar mais subsídios para elaborar em sua mente situações e êxtases. Margareth repousou sua cabeça sobre o travesseiro depois de desistir frear a sanha imaginativa. Deixou que agora ela corresse solta e seu pensamento a levou diversas vezes à cozinha onde encontrava Lucinha na pia com seus pares de coxas brancas e a mesma saia de brim desbotado.
         O fim da tarde foi torturante. O desejo de possuir Lucinha não a abandonava. Arriscaria quando a noite chegasse. A moça chegava sempre pelas dez e meia do seu curso de supletivo, entrava no quarto reservado para serviçais. Ela iria lá. Encontraria a moça no banho ou vestindo-se. Momento perfeito para ao menos observa o resto do seu corpo, quem sabe, desnudo.
         As horas se arrastavam pelos relógios. Enfim ela ouviu os passos de Lucinha chegando no horário de sempre. Esperou um pouco para ter coragem e para que a moça se ajeitasse em seu pequeno quarto. Desceu com seu pijaminha curto. Precisava de um pretexto. Confiou na sua criatividade. Aproximou e percebeu que havia outra pessoa no quarto junto com a serviçal. Curiosa, olhou pela fechadura e viu seu pai acariciando o corpo branco da moça. Uma fúria irrompeu em sua mente. Precisava controlar-se. Sua paixão era de horas atrás e não conhecida por ninguém. Deu vontade de bater na porta. Inventar um pretexto para interromper o momento íntimo dos dois. Como não percebera antes a relação do pai com a empregada. Não se perdoaria pela desilusão que se permitiu ter, e nem perdoaria o pai por não ter respeito com a mãe, esposa que ele dizia que tanto amava, porém falecida há oito anos.
         No dia seguinte, Margareth acordou com a cabeça doendo e uma dúvida latejando sem cessar. Como encarar seu pai e o fruto do seu desejo repentino e ao mesmo tempo, uma desilusão tão sucinta. Contou até três e resolveu encarar a realidade. Nunca sentira nada por garota nenhuma, aquele sentimento deveria ser carência afetiva. Havia meses que não paquerava ninguém. Mas a atitude do pai era imperdoável. Quando chegou à cozinha, nenhum sinal de Lucinha. Foi até à porta do quarto serviçal, parecia entreaberta. Por curiosidade empurrou. Levou a mão à boca. O corpo branco que desejara no dia anterior e vira nos braços do seu pai estava inerte. O sangue escorrera manchando o lençol. Lucinha havia sido assassinada.
         Lembrou que o pai havia comentado sobre uma viagem que faria bem cedo. O advogado precisava ir até Manhuaçu acompanhar um caso. Ligou para a polícia.
         Dr. Ramos assumiu o caso. O astuto detetive quis ouvir Margareth. Ela tentou esconder alguns fatos, mas expôs o pai.
         O pai disse que não dera conta do assassinato devido à pressa em sair cedo. Como a serviçal estudava à noite, costumava por a mesa do café depois das sete da manhã. Como ele precisava sair cedo, fez o desjejum matinal na padaria da esquina.
         Dois dias após o assassinato, Dr. Ramos e Dr. Brandão estavam frente a frente no escritório do juiz.
         — Dr. Ramos, sei da sua reputação. Aprecio seu trabalho de investigador. Acredite, o consideramos o melhor detetive da Zona da Mata Mineira. Sua fama vai de Juiz de Fora a Governador Valadares. Acredito que já tenha chegado ao Rio de Janeiro. Gostaria de lhe confidenciar algo, e fica no campo da fofoca e do segredo. Não estou na condição de depoente, gostaria de lhe dizer que estive na casa do Dr. Almeida na tarde que antecedeu a noite do assassinato de Lucinha. Notei o olhar lascivo da senhorita Margareth lançado sobre a serviçal. É um detalhe Dr. Ramos que deve ser levado em consideração.
         — Certamente levarei, meritíssimo. Todo detalhe é relevante para chegarmos ao momento de um assassinato e esclarecer quem esteve lá e qual a motivação que o levou a estar lá. Ou quem tinha interesse na morte da vítima.
         Três dias depois Dr. Ramos retorna ao escritório do juiz.
         — Dr. Brandão, eu vim lhe agradecer o detalhe que o senhor me passou há três dias. Ele foi importantíssimo para a elucidação do caso. Eu ainda não sei observar as reações de um réu, não sou juiz. Mas eu sei como o senhor que já foi detetive, observar as reações de um investigado. Conclui que o senhor é um homem da lei, gosta de ciências humanas e odeia matemática.
         — Não estou entendendo, como o senhor sabe que eu não gosto de matemática?
         — O senhor não gosta de triângulos, sobretudo dos triângulos amorosos. Devido ao relacionamento sexual entre o senhor e o Dr. Almeida, o senhor era o único de fora daquela casa que tinha a chave da porta de entrada. Lucinha estava roubando o seu amante. Por isso o senhor eliminou um dos vértices do triângulo.
         — Não vou dizer que o senhor está certo, pois na nossa justiça o certo pode ser errado e o errado pode ser certo. Vou tentar me safar dessa com meus conhecimentos. Vou acompanhá-lo até a delegacia para prestar meu depoimento.
         — Então vamos.

DA SÉRIE: Dr. RAMOS


OBS: CONTO AINDA SUJEITO A CORREÇÕES.

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