VINTE VERSOS em
TODO MUNDO ESTÁ EM CASA?!
OBRA: TODO MUNDO EM CASA?! Reflexões de um Pet (Coletânea).
EDITORA: PerSe (Projeto Apparere)
DESIGN DA CAPA: Leonardo Matoso
Esta é a primeira resenha da série. É normal, como aconteceu com Sete Face dos Poemas, em que procuro a relação de poemas diversos de uma obra, seja solo ou coletânea, com o Poema de Sete Faces de Carlos Drummond de Andrade, aqui eu busco apenas comentar vinte versos a partir da sua importância dentro do poema e quais reflexões ou constatações que o verso nos provoca.
Composta por 51 textos diversos, temos apenas onze poemas compondo está coletânea. Ou seja, são dez poemas para 20 versos, uma vez que um dos poemas e de minha autoria. E como faço em resenhas de coletâneas, eu não incluo poemas ou contos de minha autoria nas minhas resenhas. O legal de termos apenas 10 poemas é que não precisei de deixar nenhum poeta de fora e a oportunidade de escolher dois versos de cada poema.
Fazer resenha de poemas em
coletâneas, seja na série Sete Faces dos poemas ou Vinte Versos, é diferente de
resenha de uma obra solo. Na obra solo a gente tenta achar a diversidade da
literatura do autor, aqui busca-se a convergência entre autores diversos. Um coletânea
com temática mais centrada, e sobretudo coletânea sobre o contexto singular da
pandemia, esta convergência fica mais evidente. Na maioria dos poemas o
eu-poético é o pet que persegue a mudança de hábito de seu dono, ou donos.
VERSO I
Até para cadelinha “Mel” que age
feito gente.
ADRIANA FERREIRA DA SILVA// Mel, uma cadelinha moderna
A poeta aqui começa nos
apresentando a personagem do seu poema dizendo que o animal tem muito de humano.
Ao longo da antologia vemos o antropomorfismo dando humanidade aos pets.
VERSO II
Desejar mais o que mesmo?
ADRIANA FERREIRA DA SILVA // Mel, uma cadelinha moderna
Este verso traz para o poema algo
que lateje a mão do poeta enquanto escreve. O desejo é que move. Se Mel tem
lar, água, comida, carinho e atenção, desejar o que mais? Saúde. Assim como os
humanos.
VERSO III
Naquela nação distópica
ALBERTO DOS ANJOS COSTA // Desabafo
O poema de Alberto dos Anjos
Costa dialoga com o artigo de Sérgio Rodrigues de Souza, Brasil ou a Distopia
Tupiniquim – Reflexões de um pet – Eu, Dr. Aslam Frederico. Ambos discorrem
sobre decisões de caminhos que nosso país tomou como se fossemos um povo
desajustado no tempo. Se na maioria dos poemas vemos o antropomorfismo, nos
versos de Desabafo ocorre o inverso.
VERSO IV
que não escamoteia nossas imperfeições!
ALBERTO DOS ANJOS COSTA // Desabafo
Aqui o poeta fala sobre nossas
imperfeições que escondemos com nossos desabafos. E nós oscilamos entre o tudo
e o nada. O isolamento social fez emergir muito do que somos.
VERSO V
o nome deve estar no serasa.
BRUNA LORENY DE OLIVEIRA // A humana enlouqueceu
A poetisa coloca no falar de um
gato o drama humano no que diz respeito à economia. A não pagar suas contas e
as consequências para o dia a dia de muitos.
VERSO VI
Canta Tim Maia e bebe vinho,
infelizmente
BRUNA LORENY DE
OLIVEIRA // A humana enlouqueceu
A constatação do bichano aqui é
sobre a carência afetiva que atingiu a muitos. A sua dona se revela carente e
ele explica através dos seus atos. E lamenta.
VERSO VII
Ainda bem que ele sorriu e tirou
logo aquilo estranho!
CINARA OM // Toby ahh...
Este verso revela mais uma
constatação de um pet. A estranheza com as máscaras. Quando o ser humano sorrir
e tira o apetrecho revela-se uma satisfação por estar em causa e poder afrouxar
nas precauções que a pandemia nos trouxe.
VERSO VIII
Vamos respirar cada um da sua
fonte cristalina...
CINARA OM // Toby ahh...
O que temos aqui é a busca para
algo muito caro na pandemia causada por um parasita de transmissão pelo ar. E o
respirar, uma necessidade, exige cuidado pois é no inspirar do ar é que podemos
nos expor à contaminação. Aqui fica as reticências para a fonte não da
respiração orgânica, mas da respiração existencial. Primoroso verso.
VERSO IX
Nossos donos mudaram seus hábitos
GIBSON JOSÉ DE SANTANA // Eles usam focinheiras
A mudança de hábito veio logo no
título. E a focinheira (máscara) veio para todos. Independente se usam ou não
black-tie. Mas alguns usam focinheiras que combinam e outros não. Os donos
mudaram de hábitos, mas a sociedade com seus mecanismos de divisão nas condições
não. É aqui o resenhista fazendo suas observações como se dialogasse com
eu-poético do animal de estimação.
VERSO X
Focinheira para não morder...
GIBSON JOSÉ DE
SANTANA // Eles usam focinheiras
A observação do eu-poético que se
dirige a um outro cão no outro lado da rua, com focinheira para não morder os
seres humanos revela uma contradição sobre os seres humanos usando focinheiras
para não serem mordidos pelo vírus. Já que não se pode colocar focinheira no
microrganismo, que coloquemos em nós.
VERSO XI
Comida!
GUILHERME BRASIL // A bolha
A exclamação aqui nos remete
novamente a uma das preocupações humanas. Comida. Como alimentar a todos na
pandemia? Como não deixar faltar o elementar para a sobrevivência humana? Mas elementar
também para a sobrevivência de todos os seres vivos. Este verso se conecta com
o último do poema que comentarei a seguir.
VERSO XII
e sua fome insaciável por alguma
coisa nova.
GUILHERME BRASIL // A bolha
No belíssimo poema de Guilherme
Brasil percebemos uma maestria singular ao repetir a estrofe por três vezes e
revelando no penúltimo verso a memória curta do peixe de aquário, o eu-poético que
tem uma fome, e aqui fica subjetivo de fome se trata. Na pandemia além da fome
por alimentos, que, infelizmente, afetou a muitos, revelou também outras fomes. Ainda
bem que tivemos a fome de fazer literatura em prosa e versos como as antologias
do projeto Apparere nos revelam.
VERSO XIII
Nasci a poucos dias da quarentena
MARCOS ALVARENGA // Lingo em quarentena
A idade do animal é revelada logo
no primeiro verso criando um contexto singular para o poema de Marcos
Alvarenga. Há também crianças que nasceram no mesmo contexto. E o que era
quarentena, virou anoena, e bienena, como viemos a constatar um ano
depois dos poemas tão singulares como este terem nascidos para comporem esta coletânea.
VERSO XIV
Vou ter que aprender, apesar da
solidão
MARCOS ALVARENGA // Lingo em quarentena
O eu-poético que tinha nascido a
poucos dias de iniciarmos o distanciamento social vai ter que aprender a viver
na solidão. O tema do verso, solidão, tornou-se interessante. Quem mora sozinho
e se mistura ao dia, agora teve que amargar a solidão em sua casa. Mas há
também os que preferem a solidão da rotina a viver se confrontando o outro na
convivência em confinamento imposto. Cada um tem o seu jeito de se virar neste
contexto.
VERSO XV
Será o paraíso?
NATY BRASIL // Pet contente
É uma pergunta distorcida, a
princípio, feito em uma pandemia. Mas lembremos que se trata de um animal de
estimação. E animais domesticados o paraíso é a presença humana para lhe dar
comida e atenção. Animais de estimação que não fazem companhia para seus donos
é como um brinquedo desprezado quando a criança cresce ou a convivência com
alguém que não nos ama mais. Por isso a indagação. Para os animais, os donos em
casa para ampará-los nas suas necessidades é indício de paraíso. E para quem
também tentou ganhar dinheiro de forma desonesta, como revelou a CPI, também
deve ter feito esta pergunta. Mas neste caso eles são parasitas sociais.
VERSO XVI
Estou torcendo para que se
estenda
NATY BRASIL // Pet contente
Aqui vai outra visão divergente. Enquanto
o pet torcia para que a quarentena dos seus donos seja estendida ao máximo, a
maioria dos seres humanos, ainda que por motivos diferentes, torcia para que a
pandemia passasse logo.
VERSO XVII
Lembro de quando me resgatou na
rua
TARIQUE LAYON LIMA VILHENA // Memórias de um ex-vira-lata
O eu-poético, lembre-se de que se
trata sempre de um pet, vive suas memórias de cárcere feliz, pois para um
animal de estimação é melhor a limitação de uma casa ou apartamento que o
abandono nas ruas onde se caça em uma selva de concreto. Portanto ser levado
por alguém é ter a possibilidade de se alimentar e se proteger das intempéries.
VERSO XVIII
Será que você fez
algo de errado?
TARIQUE LAYON LIMA VILHENA // Memórias de um ex-vira-lata
O eu-poético tem vontade de
dialogar com seu dono e saber porque ele mudou de hábito? O verso XVIII dialoga
com o verso IX. Neste contexto não é de reprovação, mas de preocupação. Ele não
entende sobre as exigências do isolamento social e ainda que ache melhor o dono
ficar em casa, gostaria de saber a causa da mudança de hábito.
VERSO XIX
Não sei bem o motivo.
VERONICA STIVANIM // Não deveria ter crescido
Seguimos com versos que expressam
a dúvida dos animais domésticos diante da mudança repentina que a pandemia nos impôs.
Logo no primeiro verso a afirmativa do pet. Não sabe o motivo pelo qual seu
dono está mais em casa.
VERSO XX
É só do seu amor que eu preciso.
VERONICA STIVANIM // Não deveria ter crescido
Com este apelo feito pelo
eu-poético a seu dono é a síntese de todos os versos dos poemas desta coletânea,
e de alguns textos em prosa também. É só de amor que eles precisam, com
quarentena ou sem quarentena. O último verso do último poema da coletânea, da
primeira resenha da série Vinte Versos não poderia ser outro. Verônica Stivanim
acertou em cheio proporcionando fechar com chave de ouro tanto a coletânea
quanto esta resenha.
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