sexta-feira, 21 de setembro de 2018

VITÓRIA (SORTEIO PRIMAVERA LITERÁRIA)



VITÓRIA

— Você tem certeza que ama aquele homem?
            — Tenho certeza sim, dona Leni.
            — Mas ama de verdade?
            — Sim, meu amor por ele é de verdade.
            — Mas ama mesmo, do fundo do seu coração?
            — Amo do fundo do meu coração, dona Leni. Eu já contei para a senhora a nossa história, lembra? Eu falei como tudo começou. Foi naquela fogueira de Santo Antônio que meu falecido vô tinha como tradição fazer todo ano em sua fazenda. O Carlos tinha ido acompanhar seu pai que tocava viola. Eu me interessei por ele. Tinha dezessete anos. Naquela época eu estava estudando o segundo ano do ensino médio aqui na cidade. Todo dia eu pegava o Escolar bem cedo para vir estudar. Era estudar e trabalhar. Até conhecer Carlos, eu tive algumas paquerinhas, mas foi com Carlos que comecei a namorar sério.
            — Em casa?
            — Não. Aqui na cidade. Ele trabalhava fazendo cobranças. Então eu que não era excelente aluna, mas mediana, comecei a matar aulas para ficar com ele que começou a matar o trabalho. Aí, com dezenove anos, ele foi mandado embora do seu primeiro emprego. Enquanto ele não arranjava outro, e parecia que não queria arranjar, nós passávamos a maioria das manhãs juntos. Minha mãe descobriu e me tirou da escola. Aí quase não nos víamos mais. Somente nos finais de semana que ele ia a Centenário.
            — E aí então ele tomou coragem e foi em sua casa pedir para namorar?
            — Que nada! Ele dizia que não tinha coragem, e mais, que tinha vergonha de ser a causa de eu parar de estudar. Eu disse que ele não era a causa, eu já não estava mesmo a fim de concluir o ensino médio e continuar morando na roça cozinhando para companheiro e lavando roupa de toda família. Em um domingo que houve um jogo importante lá em Centenário, combinei com ele de fugirmos naquele dia. Estava tudo preparado. Ele disse que naquele dia não dava. Que poderia ser no dia seguinte. Tinha que arrumar as coisas. Combinamos tudo para ser na segunda-feira. Quando chegou a segunda-feira, esperei todo mundo lá em casa dormir, peguei a mochila com minhas principais roupas e sai pé por pé. Abri a porta devagar, caminhei durante uns vinte minutos até chegar à encruzilhada que combinamos. Ainda bem que era lua cheia nesse dia. Ele estava lá com uma moto emprestada. Foi assim que eu vim morar com ele.
            — Menina, você arriscou demais. Até parece que você não tinha juízo nessa época.
            — Se eu tinha juízo ou não, eu não sei. O que eu sei é que eu estava perdidamente apaixonada por ele. Viemos morar na casa de sua mãe que já era viúva e aposentada. Começamos dormindo no chão. Depois fomos economizando e construímos um barraco com dois cômodos e um banheiro nos fundos. Ele começou a trabalhar de ajudante de pedreiro e eu de faxineira. Com o tempo meus pais aceitaram e voltaram a conversar comigo.
            — E como você foi trabalhar no PSF?
            — Com a nossa situação equilibrada, Carlos queria ter um filho. Mas pedi a ele mais tempo. Voltei a estudar no EJA para concluir meu ensino médio e depois fiz o curso técnico em enfermagem. Se por um lado, foi bom por que eu tive um diploma e uma profissão, por outro lado, foi durante meus estudos que a coisa começou a desandar para o nosso lado. Enquanto eu ia para a escola, ele ira para o bar com um rapaz que também trabalhava na mesma obra que ele. Os dois ficaram superamigos e começaram a beber e jogar sinuca. Todo dia, quando eu chegava cansada da faxina e dos estudos, Carlos vinha com bafo de cachaça. Depois comecei a notar falta de dinheiro. Seu salário nunca sobrava. Teve mês que só tinha o que eu ganhava com as faxinas para fazer compras. Fui ficando triste e não estava vendo outra solução a não ser me separar dele.
            — Ih, o tal vício da cachaça é terrível. Aliás, qualquer vício destrói a família.
            — Ainda aguentei o que pude. Mas teve um dia que eu estava voltando para casa com pressa para almoçar e pegar outra faxina na parte da tarde quando encontrei com seu Douglas na rua me perguntando pelo Carlos. Fiquei assustada com a informação do pedreiro com o qual Carlos trabalhava. Eu tinha feito o almoço pela manhã e ele estava se arrumando sair quando fui para a primeira faxina. Seu Douglas me encarregou da péssima notícia, Carlos estava despedido. O homem justificou dizendo que há muito tempo Carlos não vinha trabalhando direito. E agora começou a faltar. Cheguei a minha casa e comprovei que realmente ele não tinha ido trabalhar. Só não tinha ido como tinha bebido a manhã toda. Fiquei furiosa. Fui discutir com ele as consequências da sua embriaguez, ele me lascou uma bofetada no rosto. Rodopiei e cai zonza no chão. Decide com meu rosto roxo colado no cimento frio que iria deixa-lo. Foi o que eu fiz. Fiquei na casa de uma colega do EJA por quatro dias até achar um lugarzinho para morar e recomeçar minha vida. Foquei nos estudos, conclui o segundo grau e o técnico em enfermagem. Veio o concurso da prefeitura, dediquei-me ao máximo e fui abençoada com aprovação em segundo lugar. Então fui trabalhar no PSF com pessoas boas como a senhora.
            — Vem cá minha filha, dá aqui um abraço.
            Enquanto as duas colegas de trabalho se abraçavam, Carlos havia comprado sua passagem e agora estava no hall de embarque do terminal rodoviário bem de frente para as duas. Assim que as duas mulheres terminaram de se abraçarem, os olhos de Ronilza encontraram se com os olhos de Carlos. Ele se levantou e ocupou a cadeira vaga ao lado da sua ex.
— Vai viajar?
— Sim, eu vou curtir minhas férias com Leni. E você?
— Vou também. Para onde você vai?
— Vitória. E você?
— Para Vitória também.
— Coincidência, não.
— Ronilza, eu estou limpo. Eu deixei de beber.
— E de me amar?
— Não, isso eu não nunca deixei. Eu sinto tanta saudade de você. E você ainda me ama?
— Eu também nunca deixei de te amar. — Ronilza olhava bem nos olhos de Carlos. Os dois sorriram juntos. A mão dele procurou pela mão dela. Foram se aproximando até seus lábios se tocarem.
Ao lado dona Leni já não se aguentava de tão contente por seu plano ter dado certo antes mesmo da viagem começar. Decidiu não ir mais viajar com Ronilza. Não precisava. Sua missão estava cumprida. Saiu sem que eles percebessem. O casal só deu falta dela quando os alto-falantes do terminal os trouxeram para a realidade.


NOTA DO AUTOR: Obrigado pela leitura. Agora preciso da sua colaboração como condição para participar do SORTEIO PRIMAVERA LITERÁRIA. Você pode deixar seu comentário aqui mesmo no blog ou ir para a página do grupo no FB/CONTO_VITÓRIA e deixar na postagem referente a esse conto sua contribuição. Pedimos que o comentário tenha no mínimo 20 caracteres. 

BOA SORTE NO SORTEIO

Um comentário:

  1. ÓTIMO CONTO, gostei muito da historia de superação, com certeza servirá de motivação para muitas outras pessoas .

    Acho que no trecho abaixo faltou a palavra (para)
    "Ainda aguentei o que pude. Mas teve um dia que eu estava voltando para casa com pressa para almoçar e pegar outra faxina na parte da tarde quando encontrei com seu Douglas na rua me perguntando pelo Carlos. Fiquei assustada com a informação do pedreiro com o qual Carlos trabalhava. Eu tinha feito o almoço pela manhã e ele estava se arrumando (PARA) sair quando fui para a primeira faxina."
    No mais um belíssimo conto,parabéns por esse talento que Deus deu ao senhor !!!

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