O meu amor por Keith Trujillo começou naquela manhã de neblina. Estava
eu prendendo o cachorro quando ela passou em frente à minha casa. Notei seu
olhar desejoso e correspondi abrindo um belo de um sorriso. Ali percebi que
algo começou a germinar dentro de mim por aquela garota que eu via pela
primeira vez. A partir daí as coisas foram se encaixando.
Pela tarde, quando fui à padaria do bairro comprar pão para o lanche
vespertino, ela estava lá fazendo o mesmo. Não deu outra, nos apresentamos e
ela me falou que tinha se mudado no dia anterior para uma casa no final da rua.
Entre risadas para preencher o vazio da conversa e questionamentos sobre o
outro, o papo foi rolando até chegar ao portão da minha casa. Combinamos de
lanchar à noite juntos no trailer que fica na avenida.
Assim foi o nosso primeiro dia de namoro, se assim podemos chamar.
Lanchar juntos foi pretexto para o primeiro beijo. Parecíamos ao final do
encontro, tão íntimos, que a sensação era de que estávamos nos relacionando há
meses.
Eu nunca tinha namorado alguém com tanta convicção assim. Amanhecia e eu
prendia lentamente o cachorro na esperança de vê-la passar para a escola. Eu
frequentava um cursinho três vezes por semana na parte da tarde e agora
aproveito as outras para estar com ela em algum lugar. Fui alertado pela
família para não perder o foco. Concentrar-se nos estudos para prestar
vestibular. Eu sempre respondia que tudo estava sobre controle. Tínhamos que
nos encontrar pelas pracinhas. Ela nunca havia me convidado para ir à sua casa.
Certo dia, perguntei a ela se não era melhor para a gente se eu fosse
apresentado aos seus pais. Ela me disse que não. Ela já havia me apresentado
para eles. Mas eles entendiam que ainda não era o momento para ela levar
namorado em casa. Eles permitiam que ela ficasse comigo assim, todo dia.
Keith Trujillo era cinéfila. Conhecia todos os filmes e toda semana
íamos ao cinema. Sabia falar da carreira dos principais atores de Hollywood.
Era fã de Rachel Weisz. Fui lembrado da atriz atuando em Constantine. Quando
mencionei Quentin Tarantino, ela torceu o nariz. Não era seu diretor
favorito. Reconhecia seu talento, mas seus filmes raramente a atraía.
Quando Keith me falou que estava com vontade de rever Titanic com
Leonardo DiCaprio, eu não hesitei. Disse que tinha o filme em casa, dividido em
dois DVDs. Ela parecia se sentir feliz e perguntou que dia poderíamos assistir.
Marquei para domingo à tarde. Ela compareceu. Perguntei a ela o que a levou ter
o desejo de rever o velho filme. Ela me disse de uma tese que circula na
internet dizendo que o personagem Jack Dawson não é real, mas fruto da
imaginação de Rose que o inventa para fugir da pressão que estava vivendo.
Sempre achei o filme longo demais. Mas dessa vez ele teve um sabor
especial, Keith era a minha Rose. Ela ia me explicando a tese enquanto eu ia
navegando com minha mão pela sua pele. Meus pais tinham saído. No fim, enquanto
o navio afundava, eu explorava certas partes do corpo dela e o congelamento de
Jack Dawson se contrastava com o meu aquecimento naquela tarde de domingo em
frente à TV da minha casa.
Pouco a pouco percebi que eu também estava virando um cinéfilo. Passei a
pesquisar sobre filmes, atores, diretores e até me arrisquei a escrever um
roteiro. Keith riu de mim e disse para fazermos juntos alguma faculdade sobre
cinema. Poderíamos trabalhar em parceria no futuro.
A vida ia caminhando normalmente. Tive que avançar no cursinho para ter
êxito no Enem e conseguir entrar na Federal. Keith, ainda no 2º ano do Ensino
Médio, faria também o Enem por insistência minha.
Faltando duas semanas para o exame, acordei com uma rajada de tiros
perto da minha casa. Achei estranho. Abri a janela com medo. Vi sirenes de
ambulâncias e viaturas indo para o final da rua. Não me contive, saí e vi que a
tragédia tinha sido na casa de Keith. Ela e todos os demais da família foram assassinados.
Dias depois fiquei sabendo de um detalhe que ela não me contou. Talvez
nem ela soubesse. Ou sabia, mas queria proteger o nosso amor. Seu pai fazia
parte de uma rede internacional de tráfico de drogas.
Hoje revivo sempre nossas cenas de amor que talvez dê para fazer um
curta-metragem. Um dia eu farei.
Nossa!!!!que interessante.criativo.
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