sexta-feira, 31 de julho de 2015

POEMAS DA DECEPÇÃO

DA SÉRIE COSTA FERREIRA
POEMAS DA DECEPÇÃO
(OU DA FALTA DE OPÇÃO)

TODOS OS DIAS
Todos os dias
Eu penso no dia de amanhã
Esqueço-me do hoje
Esqueço-me do ontem

Tudo que eu quero
Não está perto de mim
Não está no início
Não está no fim

Tudo que eu quero
Passam-se dias e espero
Passam-se meses e não desespero
Todo dia eu tento manter a calma

A verdade não se parece com nada
A verdade não veda
E nada impede que o tempo escape
Entre os meus dedos

?Então qual a função da verdade
?Então qual a função da vida
Todo caminho faz círculos
!Desgastando músculos

A VIDA
Era um pedaço de vida
Espalhado por todo o chão
?De onde caiu
?Do céu, do inferno ou do avião

Ninguém soube dizer
Ninguém nunca vai saber
Estava lá um pedaço de vida
Provando que há vítimas

A polícia nada tem a dizer
Nem mesmo o sensacionalismo da TV
Eu vou dizer que o sopro se espatifa
Quando se rifa a vida

Eu vou dizer que a vida
É muito além de comer e beber
É muito além de amanhecer e anoitecer
É muito além de ser livre em jaulas

A vida é apenas vida
Mesmo espatifada no chão

NOSSO FEL 
Qualquer dia desses a gente desce o sarrafo
Em quem sempre nos atormenta
Qualquer  dia desse a gente detona a cidade
Que não mais nos aguenta

Qualquer dia desses a gente zarpa fora
De todo aforismo sem poesia
Qualquer dia desses a gente dá na veia
Deixando jorrar o sangue podre dessa cidade
No chafariz da praça central

Qualquer dia desses a gente azucrina
Toda colônia, toda colina
Qualquer dia desses a gente declara
O dia da derrama
E esparrama nosso fel pelas ruelas da cidade

Qualquer dia desses
Por que hoje
Estamos ocupados demais
Curando nossas feridas

RESSURGIR 
Eu não tenho pedras nas mãos
Para acertar suas vidraças
Eu não tenho uma funda nas mãos
Para afundar sua testa

Mas me aguarde em dias de revolta
Mas me aguarde que eu um dia volto
Para desforrar toda maldade
Que essa cidade já praticou

Eu não tenho garras em minhas mãos
Para agarrar sua goela e apertar
Eu não tenho armas em minhas mãos
Para armar uma tocaia

Mas espere só para ver
O que vai haver quando eu ressurgir
Pareço agora no fundo do poço
Mas um dia vou emergir

E aí a cidade vai ver

O OURO 
O ouro que tenho aqui no morro
Compra mais que tua mobília
O ouro que tenho aqui no bolso
Só não compra carinho de família

Mas desse ouro você não tem
Não é ouro que vem do tesouro nacional
Mas desse ouro você sente falta
Não é ouro que se guarda em cofre

O ouro que tenho aqui comigo
Compensa todo o perigo que enfrento
O ouro que tenho aqui escondido
Compensa minhas horas de tensão

Mas esse ouro não é pro teu bico
Por mais que você seja rico
Mas esse ouro é inacessível
Para a tua insanidade

Esse ouro é meu, só meu


PEIXE NO AQUÁRIO

O peixe no aquário tem pouco espaço
O homem no espaço tem pouca água
A água no planeta está acabando
No planeta dos homens tudo está acabando

Não há espaço para todos na cidade
Há um imenso vazio dentro de todos
Há mais de uma regra pro mesmo jogo
A ganância é o oxigênio que alimenta esse fogo

Não há espaço entre os latifúndios
Para quem quer apenas o pão de cada dia
Não há dia para a gente lutar
A luta é pelo sol de amanhã

Assim é a vida na cidade capitalista
Assim é o capital que regula nossa gula
Assim é a bula para quem quer fica são
Assim é a solução para quem quer dissolver o planeta


NEM TE CONTO

O cão que late a noite toda
Numa cidadezinha da América Latina
Assiste-se enlatado a noite toda
Assassinatos dublados na vida real

O gato que mia sobre o telhado
Buscando atalho para a comida
Faz à noite o que fazemos ao dia
Sempre temos medo da água fria

O general que pensa no golpe
Buscando beber o povo em um só gole
?O que gera uma noite na minha geração
?O que gera o país com meu imposto de renda

A gente passa a noite como se abre um parêntese
Na vida que se conquista sem mais-valia
Na vida que se paga a vista sem desconto
Na vida que se desvia em cada contorno
Ah! Nem te conto como se vive na América Latina


A DUZENTOS METROS 
A duzentos metros dos meus olhos
Eu vejo meu castelo se desmoronar
Eu vejo teus cabelos cair por chão
Eu vejo teus olhos se fecharem para mim

A duzentos metros dos meus olhos
Uma linha de metrô se implode
Uma lei diz que tudo pode
Eu mando todo mundo se fuder

A duzentos metros do meu nariz
Um país fede naftalina e mofo
Nada se renova há duzentos anos
Nada se move a não ser a engrenagem da opressão

A duzentos metros da minha boca
O alimento recebe barras de código
O código civil se rasga para limpar a bunda
De um bando de juiz bundão

A duzentos metros das minhas mãos
A solução
  

ENGRENAGEM 
Amanhã pode ser tarde demais
Para derrotar minha covardia
Amanhã pode ser tarde demais
Para tentar encontrar a paz

Eu caminho devagar entre vagões de um trem sem direção
Eu caminho devagar entre espinhos de rosas que sangram

Amanhã pode ser tarde demais
Para desmanchar todo mal entendido
Amanhã pode ser tarde demais
Para apagar o que está escrito em linhas tortas

Eu caminho devagar entre dedos que tentam esmagar-me
Eu caminho devagar entre predadores que querem minha carne

Amanhã pode ser tarde demais
Para curar cada arranhão
Amanhã pode ser tarde demais
Para entender como o tempo passa rápido

Eu caminho devagar entre vagas de empregos
Eu caminho devagar em vales tenebrosos

Eu caminho devagar para conhecer em detalhes
Os dentes da engrenagem da morte












domingo, 26 de julho de 2015

A SAGA DE LÉLIA: ASSOMBRAÇÕES, FANTASMAS E ALMAS PENADAS

A SAGA DE LÉLIA: ASSOMBRAÇÕES, FANTASMAS E ALMAS PENADAS: Como todas as crianças, também nós gostávamos dessas histórias. O terreno era fértil. Aonde íamos entravamos o cenário perfeito: a cachoe...

O HOMEM E A LUA

O HOMEM E A LUA

O homem pisou na cara da lua
Como um tirano pisa
No rosto do seu povo

O homem pisou no coração da lua
Como a desilusão pisa
No coração do poeta

O homem maculou a lua
Como o poder macula
A honra dos fracos

Mas a lua renasce a cada noite
Enquanto o homem se definha

A cada minuto.

O TEMPO DE CEM ANOS

O TEMPO DE CEM ANOS

Quando essa cidade fizer cem anos
A criança que acabar de nascer
Fará cem anos
Todo aquele que jaz em nossos cemitérios
Fará cem anos
Toda tribo dos botocudos
Fará cem anos
Todo sangue de todos os nossos crimes
Fará cem anos
Quem vier nascer aqui
Daqui a mil anos
Fará cem anos
Todas as coisas
Vivas e não vivas
Farão cem anos

Pois a maior bobagem do homem
Foi medir o tempo

OS ANOS

DA SÉRIE: POEMAS DE OCASIÃO

sábado, 25 de julho de 2015

MUTUM CULTURAL: AMY WINEHOUSE E A ETÍLICA JUVENTUDE MUTUENSE



Que em Mutum possa surgir várias Amy Winehouse na música
ou em outras atividades culturais, e se possível nenhuma Amy Winehouse que faça
parte do clube dos 27, ou menos ainda.
leia o post na íntegra:

MUTUM CULTURAL: AMY WINEHOUSE E A ETÍLICA JUVENTUDE MUTUENSE

NA PEQUENEZ DE SANTA LUZIA DA CAPOEIRA (A IDEIA)

A IDEIA

A ideia é produzir uma série de contos ambientados em Santa Luzia da Capoeira, uma pequena cidade fictícia mais ou menos situada entre o Vale do Rio Doce e a Zona da Mata.
Não há localização geográfica definida para Santa Luzia da Capoeira, ela pode estar a 5 Km de Expedicionário Alício (Mata Três) quanto a 4 Km de Padre Fialho, distrito de Matipó.
Os contos também não atendem a uma ordem cronológica definida, pode se situar nos dias de hoje, quase como uma crônica, como pode se situar no início do povoado, ou em tempo nenhum como um realismo fantástico.
Os três primeiros contos talvez sejam os estruturantes da série que poderá ter quantos livros a criatividade permitir, tomará que ela permita pelo menos um, com 10 a 15 contos.
O primeiro conto denominado, por ora, de CAPOEIRA, é o nascimento da cidade, talvez seja esse seu subtítulo, nascimento de uma cidade. É a chegada de João Maurício, sua esposa Eulália, chamada de Lalá, suas filhas Vastilde e Vandiana, e seu filho mais novo Valdir. Acompanhando João Maurício, vindo das bandas de Cataguases, o seu compadre, mas sem nenhum parentesco de sangue, Zé Atílio e sua esposa Isaura. Com seus filhos Abílio, Acílio e Adílio, nessa ordem de idade, entremeados pelas filhas Alélia e Amélia, a uma clareira tomada pela capoeira, depois de uma seca de quatro anos, nos idos de 1871.
O segundo conto denominado de SANTA LUZIA, o batismo de uma cidade, baseia-se na vida dessas duas famílias já estabelecidas na localidade que se denominaria Santa Luzia da Capoeira, quando um cisco cai nos olhos de Valdir e a sua mãe, Lalá, evoca uma antiga reza para Santa Luzia acudir o seu filho. Assim decidiram dedicar uma capela a Santa Luzia para fazer as orações e, todo domingo,uma reza juntos.

O terceiro conto denominado PEQUENEZ, a puberdade de uma cidade, se passa em 1971, cem anos após a fundação. No entanto, por ser uma das cidades mais velhas da região, ficou isolada e não cresceu. O conto é feito a partir de uma descendente do casal Vastilde e Abílio. Daí para frente. Os contos podem ter ou não menção a esse núcleo principal.

sexta-feira, 24 de julho de 2015

HÁ DOIS ANOS, A GENTE BICAVA A AMÉRICA DO SUL

DA SÉRIE: ESPORAS DA VINGANÇA

Não há data melhor para eu me arriscar na minha primeira crônica da série denominada Esporas da Vingança. Passei anos e anos tentando achar um título para minha série. Crônicas Galeanas, Esporadas Literárias, Crônicas Fortes e Vingadoras, Crônicas Alvinegras, etc. foram títulos que imaginei. Mas ontem pensei nesse título. Pronto, por enquanto é esse.
Não sou Roberto Drummond, estou longe do seu patamar literário. Minhas musas longe do patamar de Hilda Furacão. Mas minha paixão pelo clube forte e vingador de Belo Horizonte é o que mais me aproxima desse amador escritor mineiro, mas ainda assim não no mesmo patamar.
Arrisco a escrever essas crônicas para narrar ao longo do tempo glórias do presente e do passado do meu time do coração, e nada melhor para começar a fazer isso quando se comemora dois anos de um título, que confesso, não imaginava testemunhar em vida. Roberto Drummond não testemunhou, mas a crônica de Mauro Beting     (Libertadores quae sera tamen: Roberto Drummond acredita – Olimpia 2 x 0 Atlético Mineiro) imaginou o que ele escreveria após a derrota de 2 x 0 no Paraguai.

Não é milagre, é Atlético Mineiro, repetia o locutor do Sportv. No entanto mais que o título, o troféu, foi a forma épica, digna de Homero com o qual o Atlético chegou até a aquele dia 24 de agosto no Mineirão. 

Caímos em um grupo não tão fácil e não tão difícil. Enfrentamos o São Paulo do Rogério Ceni, o Arsenal, da Argentina, o genérico e teve o The Strongest, na alta La Paz.

Foi até aí show de bola, vencendo e convencendo e chamando atenção. O melhor da primeira fase.

No mata-mata primeiro a gente morria e depois matava. Quem matava por último matava melhor. Teve o São Paulo de novo. Teve o Cavalo de Tróia denominado Cavalo de Tijuana, mas o pé milagroso do goleiro Victor foi mais forte que um coice.
Teve o outro time de Rosário. Lembra a final da Conmebol de 1995, primórdios da Sul Americana de hoje, em que o Atlético venceu aqui de 4 x 0 e perdeu lá de 4 x 0 lá, perdendo nos pênaltis.
Mas dessa vez foram os leprosos que enfrentamos, perdemos lá e vencemos aqui com direito a apagão e tudo.

E a final contra o Olímpia. Deveriam contar eles com todos os Deuses do Olimpo. Mas a imagem de Nossa Senhora na camisa do Cuca, e a fé da torcida no Yes, We CAM, superaram qualquer mito ou mitologia. Foi o imponderável que empurrou a atacante do Olímpia naquele contra ataque. Sei lá. O Atlético estava pra lá de Hercúleo naquela Libertadores.

Já se foram mais duas. Mas e daí. Ano passado foi a Copa do Brasil e esse ano jogamos o melhor futebol do Brasil.

Ser o último campeão brasileiro da Libertadores na semana que os colorados, que nos tiraram dela esse ano na sorte, ou na falta dela dessa vez, saíram diante dos mexicanos, e ainda estar na liderança do brasileiro, ser o time a ser abatido, é mais que chique demais.


Um viva para todos nós atleticanos. Até a próxima vitória.

INVEJADA MATERNAL

DA SÉRIE: GOTÍCULAS

FÊNIX

DA SÉRIE: MICRO CONTOS CONTIDOS EM CEM ANOS




Ele decidiu partir de Mutum. Ela decidiu partir de Mutum. Encontraram-se no terminal rodoviário. Depois de duas crianças e quatro anos, se abraçam na vila Fênix.

MUTUM IMÓVEL

DA SÉRIE: GOTÍCULAS

SERENAMENTE

DA SÉRIE: GOTÍCULAS


quarta-feira, 22 de julho de 2015

DIÁLOGOS DE BASE: JOÃO PAULO: UM MUTUENSE NA UNE

Retornando minha série de entrevista intitulada DIÁLOGOS DE BASE, bati um papo com JOÃO PAULO FURTADO DE OLIVEIRA, estudante da UFMG desde 2011 e membro recente da direção da UNE. Ele nos fala da sua militância no movimento estudantil e sua base pastoral das suas ações. Leia no link:

MUTUM SOCIALISTA: JOÃO PAULO: UM MUTUENSE NA UNE

BELICAMENTE PIORADOSS

BELICAMENTE PIORADOSS















deu cárie nos dentes da engrenagem
deu gangrena na alavanca da máquina
deu merda na hora que abriu a boca
?qual a medida da nossa destruição

deu vírus no computador sem camisa de vênus
teve viúvas assim que saíram do altar
teve altar para sacrificar o povo inteiro
teve janeiro sem ter verão

?como posso estar pedindo esmola agora
na porta da escola onde estudei outrora
?como posso arrotar pólvora em forma de pastilha
?como posso ter uma trilha, uma rota qualquer

o mundo parece desabar sobre meu cabresto
o mundo parece estar com desande e preste a defecar
o mundo parece querer fazer uma prece a qualquer deus
que paque nossas dívidas e esclareça nossas dúvidas
já nem precisamos de saúde e paz como dádiva
não sabemos mais o que é isso
só temos filas nos sus
só temos filmes de guerra
para retratar a terra de nossos pais
não haverá resgate da nossa geração
somente generais geneticamente melhorados
somente generais belicamente pioradoSS
somente pirados

SÓRDIDO MUNDO MODERNO

SÓRDIDO MUNDO MODERNO
DO FILME SIN CITY














aquela vida parece perdida na esquina
aquele corpo parece ser copia mal feita
aquela pessoa parece um som sem ritmo
de tão aflito que é o mundo moderno

aquela vítima parece não ter visto nada
aquela víbora parece ter visto de turista
aquela vitrine parece não receber visita
não sei o que visto para o velório do mundo moderno

aquela viúva parece já está consolada
aquela vírgula parece está fora da frase
aquele vinagre parece não ter acidez
entre os acidentes de percurso do mundo moderno

eu no meio do fim de um começo nefasto
eu no meio da rua sem endereço correto
eu com receio de não ter hora do recreio
ou ter um recreio recheado de sangue
já que todo mundo tem a sua gangue
já que todo mundo tem a sua tribo
e eu solitário em meio à tribulação
e eu solitário no meio de um tribunal
e eu solitário nesse sórdido mundo moderno

JILÓ

DA SÉRIE: EXPOEMAS
JILÓ















Enquanto como jiló no almoço
um golpe na Arabia Saudita
um grito surdo no topo dos Alpes
um tiro pela culatra no topo dos Andes

enquanto como jiló na janta
uma anta é abatida no pantanal
um atleta é vencido no panamericano
um artista é convencido a desistir

enquanto arroto jiló a noite toda
alguém entrega o jogo na CPI
alguém esquece o cep da sua cidade
alguém esquenta o debate sobre futebol

enquanto defeco jiló pela manhã
alguém se ajeita na vida
alguém rejeitou a sua vida
alguém aceitou morar na vila

e o jiló vai
pelo esgoto de uma cidade escrota

ZOREIA


terça-feira, 21 de julho de 2015

NO ÓLEO DA MÁQUINA DO ESTADO

da série EXPOEMAS



















NO ÓLEO DA MÁQUINA DO ESTADO

são poucos os passarinhos que voam
são poucos os peixinhos que nadam
são poucos os porquinhos que fazem casas
são loucos os homens que amam

são pobres os políticos que governam
são pobres os policiais que mantém a ordem pública
são pobres os pilares da nossa república
são cobras os que chegam ao poder nessa podridão

esses dias eu tenho pensado bastante
no que basta a um homem na humildade
no que basta a um homem nessa cidade
onde a perversidade se fez verbo
e se tornou verdade e verba desviada

eu vejo as bestas do apocalipse em marcha
veja, isto é uma época nefasta
não vejo nada nas páginas da revista
não ouço nada nas palavras de revolta
não tenho nada na minha mão direita
não digo nada sem meu advogado
apenas meu fígado está sendo fritado
no óleo da máquina do estado

e assim estou aqui
para mais um dia de dilaceração...

BRETANHAS E PIRINEUS DA VIDA

Da série: CARTAS AO CAMARADA OLEV, CARTA I

Mutum, 21 de julho de 2015

Camarada Olev,

Começo já pedindo desculpas pela demora de três anos sem cumprir o combinado entre nós. Se bem que você também não me contactou por carta, apenas me enviou dois e-mails.













Havíamos combinado que apesar da facilidade que a revolução tecnológica nos trouxe, iríamos manter a tradição da carta escrita e postada no correio como nos velhos tempos e podermos conversarmos sobre nossos velhos ideais de contribuirmos para a construção, para além do tempo e além do espaço, pois não sabemos quando e onde isso poderia começar.
O motivo que me fez lembrar e pela primeira vez te escrever é o mesmo motivo que nos fez encontrar e nos conhecermos um dia em Paris. O nosso Tour de France.

De férias tenho ocupado a parte da minha manhã, em frente à televisão e acompanhado esse evento que é o maior no esporte que tanto eu, como você, gostamos. 
E foi por ocasião do Tour de France de 2012 é que nos tornamos, digamos, amigo. Ontem foi dia do amigo por aqui. Não sei se aí na Bulgária se comemora do dia do amigo.
E assim tem sido a minha vida, um Tour de France, dias de pedalar por Bretanha, dias de pedalar pelos Pirineus.
Quando você ficou sabendo da minha nacionalidade no hall do hotel em que estávamos hospedados, te despertou interesse em conversar comigo sobre as atividades aqui no Brasil da nossa presidenta que têm raízes búlgaras. Naquele momento, julho de 2012, ela estava ainda em seu primeiro mandato, voando em céus de brigadeiro. Em Mutum, iniciava-se uma campanha do nosso partido rumo à prefeitura numa composição do o Partido Verde. Não erámos cabeça de chapa, verdade. Mas com a vitória em outubro e a posterior renúncia do prefeito, coube ao meu partido assumir a administração. Ano passado ganhamos o estado. Assim podemos afirmar que o partido pelo qual milito fez então barba, bigode e cabelo.
Talvez o motivo pelo qual não tenha te escrito antes é justamente esse fato de ter feito barba, bigode e cabelo. A coisa começou a desandar. Essa crise mundial que ronda por aí, bem perto de você também ronda por aqui. Em 2012 nós comemorávamos o fato do Brasil ter resistido o primeiro ataque.
Lembro muito da fala de um amigo meu aqui de Mutum, sonhador como nós, que diz que uma coisa é ter o mandato, outra coisa é ter o comando. É verdade.
Em consonância com essa atividade que estou fazendo, é a publicação do livro do Padre Ronaldo de Manhumirim, que publicou uma série de crônica. Livro que estou no aguardo para ler.
Estive com as chuteiras penduradas em termos de militância. Não participo diretamente do governo daqui. Mas não posso dizer que sou adversário. Existe uma consideração por parte de muitos que fazem parte do governo. Estou participando do conselho municipal de meio ambiente, CODEMA, mas estive quase entregando o cargo também.
Alguns companheiros de caminhadas têm me animado, mais com exemplos que com palavras.
Vou voltar a partilhar ideias de como devemos construir um socialismo democrático, plural e solidário.
Em tempos de crise de valores morais, corrompidos pelo capitalismo brutal, fica difícil falar de pluralidade, quando ela de fato existe, mas não é entendida.
Tenho defendido que estamos vivendo um momento de descoberta do eu. O eu como sujeito. Estamos tentando colocar fim no eu como objeto. O dia em que também descobrirmos o outro como outro eu, talvez aí tenhamos condições de construir essa sociedade socialista, plural, democrática e solidária.
Por hoje termino por aqui. Preciso adiantar meus afazeres domésticos.

Um abraço, Camarada Mendes.