sábado, 4 de junho de 2022

SORRISO, SOPRO E TROVÃO: PENTALOGIA DAS MINHAS PÉTALAS SEMANAIS - XX

SORRISO, SOPRO E TROVÃO: PENTALOGIA DAS MINHAS PÉTALAS SEMANAIS – XX
 

Hoje em nossa Pentalogia poética falo da hipocrisia do mundo que prefere quem sorrir e rejeita o pensar. Falo também de como a vida premia e nos derruba do trono. Coisas que fazem o homem ir se degradando, se violentando por dentro na sua dose diária de um lento desfazer-se.
Boa leitura.
 
ESPINHOS DA SOLIDÃO (INDRISO)
As lágrimas caem dos meus olhos
Como folhas de um verão qualquer
Há um outono dentro de mim!
 
Páginas felizes foram arrancadas
Deixando um grande vazio na vida
Traças ou vermes? Não importa mais.
 
Havia um aroma de primavera em nós.
 
Mas só me restou os espinhos da solidão.
 
*****
SOPROS DE VIDA (RONDEL)
No tempo sopros de vida
E no suspiro uma história
Na espera talvez a saída
E na timidez uma vitória.
 
Morando nesta memória
A nossa felicidade retida
No tempo sopros de vida
E no suspiro uma história.
 
Mas e a palavra não lida?
Aquela tida como escória
Toda dor nela tão contida
Como verdade tão notória
No tempo sopros de vida.
 
***
DILEMA DO PREMIADO
 
Agora que a vida me premia
Dando-me fragmentos do paraíso
Eu sei que tudo vai passar
Eu sei que tudo vai acabar
E eu ficarei com saudade apenas.
 
Bebo do licor mais saboroso
Mesmo sabendo
Que a embriaguez já vem
Em passos largos
Abraçar o corpo sem vontade.
 
Agora que a vida me agracia
Laureando-me com honras sólidas
Eu sei que amanhã será novo dia
Eu sei que o futuro é só utopia
E estarei espanando poeiras apenas.
 
Nutro-me do maná mais delicioso
Com uma certeza
De que pão é menos que poesia
E eu estarei precisando de jejum
Justo agora que a vida me premia.
***
 
ESCUTO UM TROVÃO
 
Todo dia eu me estrago
É um violentar-me sempre
E quase aniquilado eu vago
Pelas trevas entre engrenagens
De um mundo que devora seres.
 
Ainda acho que dá para cultivar
Uns jardins sobre calçadas frias
Colher flores para saudar o sol
Enquanto dentro tudo apodrece
Como um cadáver em decomposição.
 
Todo dia eu me entrego
Já não aguento mais por em mim
Toda culpa pelos erros de todos
E choro gotas de sangue
Manchando as veredas do meu sertão.
 
Ainda penso que vamos abrir a porta
E deparar com um mundo diferente
Crianças brincando sobre o asfalto
Mas escuto um trovão ao longe
E um relâmpago cega meu entusiasmo.
 
***
SORRISO OFUSCANTE
Ele era um rapaz simpático
Que adorava possuir sapatos
Em sapateiros seus vários pares
Comprados-ganhados-roubados
Ele era um rapaz simpático.
 
Sorria para a cidade inteira
Sorria vinte e quatro horas
No trabalho-culto-redes
Ele era um rapaz simpático.
 
Capturou uma bela criança
Arrancou-lhe toda a pele
Curtiu-moldou-costurou-curtiu
E não tinha sido a primeira vez.
 
O seu sorriso ofuscante
Sugava a atenção de todos
Ninguém ouvia de seus pés
O choro das vidas tenras.
 
Ele era um rapaz simpático
E por isto, ninguém via morte
Em suas pegadas.


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