VITÓRIA
— Você tem certeza que ama aquele homem?
—
Tenho certeza sim, dona Leni.
— Mas
ama de verdade?
—
Sim, meu amor por ele é de verdade.
— Mas
ama mesmo, do fundo do seu coração?
— Amo
do fundo do meu coração, dona Leni. Eu já contei para a senhora a nossa
história, lembra? Eu falei como tudo começou. Foi naquela fogueira de Santo
Antônio que meu falecido vô tinha como tradição fazer todo ano em sua fazenda.
O Carlos tinha ido acompanhar seu pai que tocava viola. Eu me interessei por
ele. Tinha dezessete anos. Naquela época eu estava estudando o segundo ano do
ensino médio aqui na cidade. Todo dia eu pegava o Escolar bem cedo para vir
estudar. Era estudar e trabalhar. Até conhecer Carlos, eu tive algumas
paquerinhas, mas foi com Carlos que comecei a namorar sério.
— Em
casa?
—
Não. Aqui na cidade. Ele trabalhava fazendo cobranças. Então eu que não era
excelente aluna, mas mediana, comecei a matar aulas para ficar com ele que
começou a matar o trabalho. Aí, com dezenove anos, ele foi mandado embora do
seu primeiro emprego. Enquanto ele não arranjava outro, e parecia que não
queria arranjar, nós passávamos a maioria das manhãs juntos. Minha mãe
descobriu e me tirou da escola. Aí quase não nos víamos mais. Somente nos
finais de semana que ele ia a Centenário.
— E
aí então ele tomou coragem e foi em sua casa pedir para namorar?
— Que
nada! Ele dizia que não tinha coragem, e mais, que tinha vergonha de ser a
causa de eu parar de estudar. Eu disse que ele não era a causa, eu já não
estava mesmo a fim de concluir o ensino médio e continuar morando na roça
cozinhando para companheiro e lavando roupa de toda família. Em um domingo que
houve um jogo importante lá em Centenário, combinei com ele de fugirmos naquele
dia. Estava tudo preparado. Ele disse que naquele dia não dava. Que poderia ser
no dia seguinte. Tinha que arrumar as coisas. Combinamos tudo para ser na
segunda-feira. Quando chegou a segunda-feira, esperei todo mundo lá em casa
dormir, peguei a mochila com minhas principais roupas e sai pé por pé. Abri a
porta devagar, caminhei durante uns vinte minutos até chegar à encruzilhada que
combinamos. Ainda bem que era lua cheia nesse dia. Ele estava lá com uma moto
emprestada. Foi assim que eu vim morar com ele.
—
Menina, você arriscou demais. Até parece que você não tinha juízo nessa época.
— Se
eu tinha juízo ou não, eu não sei. O que eu sei é que eu estava perdidamente
apaixonada por ele. Viemos morar na casa de sua mãe que já era viúva e
aposentada. Começamos dormindo no chão. Depois fomos economizando e construímos
um barraco com dois cômodos e um banheiro nos fundos. Ele começou a trabalhar
de ajudante de pedreiro e eu de faxineira. Com o tempo meus pais aceitaram e
voltaram a conversar comigo.
— E
como você foi trabalhar no PSF?
— Com
a nossa situação equilibrada, Carlos queria ter um filho. Mas pedi a ele mais
tempo. Voltei a estudar no EJA para concluir meu ensino médio e depois fiz o
curso técnico em enfermagem. Se por um lado, foi bom por que eu tive um diploma
e uma profissão, por outro lado, foi durante meus estudos que a coisa começou a
desandar para o nosso lado. Enquanto eu ia para a escola, ele ira para o bar
com um rapaz que também trabalhava na mesma obra que ele. Os dois ficaram
superamigos e começaram a beber e jogar sinuca. Todo dia, quando eu chegava
cansada da faxina e dos estudos, Carlos vinha com bafo de cachaça. Depois
comecei a notar falta de dinheiro. Seu salário nunca sobrava. Teve mês que só
tinha o que eu ganhava com as faxinas para fazer compras. Fui ficando triste e
não estava vendo outra solução a não ser me separar dele.
— Ih,
o tal vício da cachaça é terrível. Aliás, qualquer vício destrói a família.
—
Ainda aguentei o que pude. Mas teve um dia que eu estava voltando para casa com
pressa para almoçar e pegar outra faxina na parte da tarde quando encontrei com
seu Douglas na rua me perguntando pelo Carlos. Fiquei assustada com a
informação do pedreiro com o qual Carlos trabalhava. Eu tinha feito o almoço
pela manhã e ele estava se arrumando sair quando fui para a primeira faxina.
Seu Douglas me encarregou da péssima notícia, Carlos estava despedido. O homem
justificou dizendo que há muito tempo Carlos não vinha trabalhando direito. E
agora começou a faltar. Cheguei a minha casa e comprovei que realmente ele não
tinha ido trabalhar. Só não tinha ido como tinha bebido a manhã toda. Fiquei
furiosa. Fui discutir com ele as consequências da sua embriaguez, ele me lascou
uma bofetada no rosto. Rodopiei e cai zonza no chão. Decide com meu rosto roxo
colado no cimento frio que iria deixa-lo. Foi o que eu fiz. Fiquei na casa de
uma colega do EJA por quatro dias até achar um lugarzinho para morar e
recomeçar minha vida. Foquei nos estudos, conclui o segundo grau e o técnico em
enfermagem. Veio o concurso da prefeitura, dediquei-me ao máximo e fui
abençoada com aprovação em segundo lugar. Então fui trabalhar no PSF com
pessoas boas como a senhora.
— Vem
cá minha filha, dá aqui um abraço.
Enquanto
as duas colegas de trabalho se abraçavam, Carlos havia comprado sua passagem e
agora estava no hall de embarque do terminal rodoviário bem de frente para as
duas. Assim que as duas mulheres terminaram de se abraçarem, os olhos de
Ronilza encontraram se com os olhos de Carlos. Ele se levantou e ocupou a
cadeira vaga ao lado da sua ex.
— Vai viajar?
— Sim, eu vou curtir minhas férias com
Leni. E você?
— Vou também. Para onde você vai?
— Vitória. E você?
— Para Vitória também.
— Coincidência, não.
— Ronilza, eu estou limpo. Eu deixei de
beber.
— E de me amar?
— Não, isso eu não nunca deixei. Eu
sinto tanta saudade de você. E você ainda me ama?
— Eu também nunca deixei de te amar. —
Ronilza olhava bem nos olhos de Carlos. Os dois sorriram juntos. A mão dele
procurou pela mão dela. Foram se aproximando até seus lábios se tocarem.
Ao lado dona Leni já não se aguentava de
tão contente por seu plano ter dado certo antes mesmo da viagem começar.
Decidiu não ir mais viajar com Ronilza. Não precisava. Sua missão estava
cumprida. Saiu sem que eles percebessem. O casal só deu falta dela quando os
alto-falantes do terminal os trouxeram para a realidade.
NOTA DO AUTOR: Obrigado pela leitura. Agora preciso da sua colaboração como condição para participar do SORTEIO PRIMAVERA LITERÁRIA. Você pode deixar seu comentário aqui mesmo no blog ou ir para a página do grupo no FB/CONTO_VITÓRIA e deixar na postagem referente a esse conto sua contribuição. Pedimos que o comentário tenha no mínimo 20 caracteres.
BOA SORTE NO SORTEIO
NOTA DO AUTOR: Obrigado pela leitura. Agora preciso da sua colaboração como condição para participar do SORTEIO PRIMAVERA LITERÁRIA. Você pode deixar seu comentário aqui mesmo no blog ou ir para a página do grupo no FB/CONTO_VITÓRIA e deixar na postagem referente a esse conto sua contribuição. Pedimos que o comentário tenha no mínimo 20 caracteres.
BOA SORTE NO SORTEIO
ÓTIMO CONTO, gostei muito da historia de superação, com certeza servirá de motivação para muitas outras pessoas .
ResponderExcluirAcho que no trecho abaixo faltou a palavra (para)
"Ainda aguentei o que pude. Mas teve um dia que eu estava voltando para casa com pressa para almoçar e pegar outra faxina na parte da tarde quando encontrei com seu Douglas na rua me perguntando pelo Carlos. Fiquei assustada com a informação do pedreiro com o qual Carlos trabalhava. Eu tinha feito o almoço pela manhã e ele estava se arrumando (PARA) sair quando fui para a primeira faxina."
No mais um belíssimo conto,parabéns por esse talento que Deus deu ao senhor !!!