Nem a dureza dos ossos detinha a sua machadinha. Uma língua
vermelha, com a ponta bifurcada, discretamente a lambia deixando o aço bem
afiado. Ele então estava pronto para a ceifa de toda sexta-feira.
A NOIVA
Quando ela descobriu a data do falecimento e o local em que
ele foi sepultado, já tinha se entregado de corpo e alma ao moço bonito. Agora
tenta arrancar do dedo o anel de noivado, mas não consegue. Mesmo quando decepa
rente à mão, outra cresce já com o sinal do compromisso feito.
CETICISMO
Vasculhou os porões da casa em busca de sinais. Pisava sobre
alguns, mas era cético demais para entender. Quando abriu o baú velho não teve
dúvida. Mas já era tarde. As serpentes lhe devoraram o cérebro e as demais
vísceras. O que restou do seu corpo ficou como prova para o próximo aventureiro
confirmar que de fato a casa é mal assobrada.
EXORCISMO
POR CORRESPONDÊNCIA
A multidão se aglomerava em volta da mulher possessa na
calçada da avenida. O pastor viu no fato a oportunidade de arrebanhar fiéis.
Fez o exorcismo como aprendera no curso a distância. Agora seu sucessor toma
conta do rebanho já que ele está acorrentado no seu quarto para não devorar
suas próprias ovelhas.
INSANOU-SE
Não suportou a traição. Traiu sua sanidade.
KALIÃ
Ninguém nesse mundo ama Kaliã. Ela não é do amor. Soube
disso quando matou a mãe enforcando-a com o cordão umbilical.
NA SEÇÃO DE
FRIOS
Fez da vingança um prato frio guardado no freezer.
NADA EM
ESPELHOS
04h00, bêbado, vê-se fantasmas. Exceto se for um.
O TIO DO
ARMÁRIO
Brincava tão bem que as crianças o adoravam. Ele era o titio
que saía toda noite de dentro do armário. No fim da brincadeira ainda tinha
balas para todos. Mal sabia as crianças que o doce da bala se tornaria uma
amarga maldição para toda vida.
QUESTÃO DE
IMAGEM
Sua imagem não se registrava em fotos e nem se refletia nos
espelhos. Mas no apavoramento de suas vítimas ele era mais que real.
RECHEIO DE
CARNE
Quando os gatos acabaram, foi a vez das crianças.
ROTINA
Pela manhã em seu carro ela estava no banco do carona. No
escritório, era dela a imagem que aparecia na tela do computador apesar do
antivírus. No restaurante era ela na mesa ao lado. Durante o dia ele suportava.
Mas toda noite que ela estava em sua cama de lingerie, ele a sufocava e a
estrangulava. Depois a levava para o porão. Tirava quatro tábuas do assoalho e
a enterrava no mesmo local da primeira vez, há oito anos.
ZUMBIAÇÃO
Caiu vivo e ergueu-se morto, caminhou.
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