quarta-feira, 5 de agosto de 2015

POEMAS EM ANGÚSTIA




APENAS

Sem liberdade de amar
Sem mar para navegar
Sem nave para ir à lua
Sem luz para iluminar teus olhos

Sem flor para perfumar a manhã
Sem manha para te prender
Sem peso de consciência
Sem ciência, sem sentido

Apenas te buscando a cada minuto
Apenas te beijando a cada sonho
Apenas te amando em cada cama
Apenas querendo cair em teus braços

Sem cidade para sitiar
Sem sede para saciar
Sem rede para pescar
Sem pecado para pedir perdão

Sem idade certa para se acertar
Sem privilégios para se vangloriar
Sem veredas para atravessar
Sem travas na língua para se censurar

Apenas penando de solidão
Apenas buscando o sol de cada manhã
Apenas se envenenando com qualquer maçã
Apenas esperando a morte chegar



SERENO, VENENO E BRISA
  

Eu sou feito de amor e sereno
Tão pequeno como um vírus no ar
Tão precioso como um osso para o cão
Tão em vão como o vento da tarde

Eu sou feito de ódio e veneno
A cada episódio dessa novela dantesca
A cada epílogo nesse drama eterno
A cada capa de chuva secando no varal

Eu sou feito de amor e brisa
E de cada sol que amanhece
E de cada pele que empalidece
E de cada pelo da minha barba

E nada dissipa minha inocente vida
E nada dissimula minha desilusão
E nada se destaca além da apunhalada
E nada descansa em paz em tempos de guerra

Sereno, veneno e brisa
E tua mão letal desliza
Sob o tecido da minha camisa
E esse instante se eterniza

!E você me mata





ENTULHO
   
O corte de navalha fora a fora
No peito que suspirou por ti

O corte de navalha até nos ossos
Do corpo que buscou teu corpo
A noite toda

Fim de uma epopeia
Sem mesmo ter cavalo de Tróia
Sem mesmo ter cabeça no lugar
Sem mesmo ter cálice de sangue

Dragões devoram meu coração
Ao som de sinfonias angelicais

Dragões degustam minhas vísceras
Como tira-gosto em bares de esquina

Fim de um mergulho
No que há de entulho na alma
No que há de orgulho nos olhos
No que há de escuro no coração

Fim de uma epopeia
Início de um inverno
Nesse corpo que buscou
O céu no meio do inferno



O CORDEIRO
  
A força de um furacão
Sopra sobre meus olhos fechados
Feito forca em meu pescoço
Feito osso em meu prato

A força de um vulcão
Irrompe em meu peito
Meus poros exalam enxofre
Minhas pérolas são jogadas aos porcos

A força de uma avalanche
Esmaga minha cabeça contra o concreto
Arrastando-me por um caminho reto
Direto para uma caldeira de siderúrgica

Busco na lembrança de uma tarde qualquer
Encontrar um minuto de felicidade
Mas o ar fica pesado, mas o ar fica brusco
Enquanto escorpiões infestam a cidade

Nada me lembra do meu último sorriso
Ninguém me aquece nessa noite gélida
Não faço a mínima ideia como seria o paraíso
Sem vestígio de flores nessa estrada tórrida

Sigo feito cordeiro
Para o abatedouro
Sem ter tido dinheiro
Sem ter tido ouro
Nem ter tido amor
Como consolo



CÚMPLICE

Perdido na mais escura das noites
Lutando contra todos os monstros
Enfrentando todas as criaturas do mal
Embrenhando-se por veredas dantescas
Nunca dantes exploradas

Impedido de ser feliz pelos astros
Tendo meus sonhos castrados
Figurando em algum cadastro da agonia
Confundido com a branca de neve pela madrasta

Tudo que minha boca profere
Soa como mentira absurda
Quanto mais minha boca profetiza
Mais a cidade fica surda

Sem ter saída, sem ter salvação
Afundando-se no oceano de idolatrias
Sem ter tábua de salvação
Soterrado por falsas profecias
Sem ser criado, sem ser criação

E a na mais escura das noites
Ninguém a minha procura
Ninguém sente minha falta
Enquanto a cidade me assalta
Enquanto a cidade me assusta
E ainda me julga
E ainda me culpa
De ser cúmplice da degradação
E me deixam atrás das grades
E me dão mostra grátis
Da morte



NEM SANDÁLIAS

Queria eu fazer da noite
Meu parque de diversões
Meu palanque político
Meu púlpito sagrado

Queria eu fazer pra noite
Minha declaração de amor
Declamar meu poema mais profundo
Dedilhar minha canção mais inebriante

Mas a noite me vomitou
Pelas calçadas frias da avenida
Mas a noite me defecou
Pelas sarjetas gélidas da vida

Queria eu beijar a noite
Com o mel límpido da minha boca
Mas a noite é uma mulher louca
Que virilmente me violenta

Queria eu abraçar a noite
Com esse desejo que me abrasa
Perdi carro, perdi casa
E a noite ainda me roubou a alma

Então fiquei sem nada
Uma mão na frente, outra mão atrás
Então fiquei sem asas
E nem sandálias para voltar atrás

E agora chega a aurora
E me revela toda minha nudez
Em busca de um mistério
Encontrei escassez
E miséria
E enfim
Morte




CAINDO POR TERRA

Pensando no que posso ainda
Ante a tarde que finda
Ante o covarde que sou
Ante a cova que me espera

Pensando no que pode ainda
Atormentar o meu corpo
A cárie, o corte, o câncer
E a coleira da depressão

Pesando meus anseios de condenado
Em uma das mãos meus sonhos
Em outra mão meus medos
E os segredos que ainda trago comigo

Pensando no que posso ainda
Perante a noite que se aproxima
Diante do anjo que extermina
?Qual será o tom do meu grito

Pensando no que pode ainda
Torturar a minha alma
A decepção e o descaso
Enquanto espero o descanso eterno

Pegando pesado no meu último poema
Passando a limpo meus erros
Segurando a vontade que dá
De novamente errar
Com mais perfeição
Já que tudo foi perdição
E daqui a pouco tudo será
Apenas lembranças na podridão
Desse corpo que começa
A cair por terra
Cansado de guerra
Que nunca acaba


SEM JEITO

Quero que meu desabafo
Contenha o que há de mais fétido
Do meu bafo
Dentro desse barco a deriva

Quero que meus desafetos
Morram jovens
Ainda fetos
Para não levar os bofetões
Dos meus punhos cerrados

Quero lembrar a todos os desavisados
Que não levarei nada dessa vida
Nem mágoa
Nem água purificada
Nem o aguardente
Que desceu queimando goela abaixo

Quero que todas minhas quimeras
Sejam quimicamente conservadas
Em álcool e formol
Sem formalidade alguma

Quero que todas as minhas crises
De nervos ou de ciúmes
Sejam esquecidas
Misturadas ao estrume

Quero que todos os meus rastros
Sejam apagados do mapa
Nenhum dado a meu respeito
Nem um pouco de suspeito
Que fui um sujeito
Sem jeito de ser feliz



SOU EU

Sou eu um ser que pra nada serve
Que não sabe nadar
Nem mesmo em uma bacia d’água
Que não sabe mentir
E nem ser metido a besta

Sou eu um ser que nada adianta
Nem pra ser servido no almoço
E tão pouco na janta
Nenhuma fama
Nem declama e nem canta

Sou eu um ser que em nada acerta
Se vou pra guerra
Sou soldado que deserta
Se me prometem terra
Por certo é deserta

Sou eu um ser que nada aspira
Nem ter calma, nem ter ira
Nem o pó da sala
Nem fugir pr’uma ilha
Nem fingir de morto
E nem que algum morto viva

Sou eu um ser que nada sou
Nem suor no rosto
Nem sonho na mente
Nem elixir composto
Nem água puramente

Sou eu um ser que se definha
No fim de linha
No findar da tarde
A morte se avizinha

Chega, já tarde


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