LIGAÇÃO À PEQUENA
DISTÂNCIA PARA COBRAR
—Alô, Martielly.
—Não, você não é real. Você morreu
há dez meses, você está morto. Eu preciso me consultar com um psicólogo.
—Eu sei que eu morri. Não precisa me
lembrar disso. Eu lembro bem da sua máscara de tristeza enquanto você
gargalhava por dentro. Você foi a última imagem de alguém vivo que vi antes da
primeira pá de terra sobre meu rosto abaixo do vidro da tampa do caixão. Mas você
não foi tão viva assim depois que morri. Matou-me trocando meus remédios por
outros comprimidos feitos da farinha de trigo, conseguidos pelo seu amante com
um médico fajuto. Você pensa que eu não fiquei sabendo? Depois que a gente
morre, descobre-se o quanto de maldade se faz contra a gente.
— Não foi bem assim. Eu te amei por
algum tempo.
— Você não sabe o que é amor. Eu
também nunca te amei, apenas precisava de uma mulher bonita só para ficar bem
nas fotos durantes os jantares enfadonhos da minha agenda. Se você soubesse amar
de fato, amarrar o coração de um homem com sua sedução, o bobão do seu amante
não teria te dado o golpe. De que adiantou você me matar? Agora está aí prestes
a perder a última coisa que ainda te resta, a nossa casa de campo. Amanhã ela
será leiloada pelo que estou sabendo.
— Para quem já foi para o céu, você
está sabendo demais.
— Quem te disse que eu fui para o
céu? Não querida, eu não fui para o céu.
— Pro inferno, então?
— Não, chuchuquinha. Eu não fui bom
o suficiente para merecer o céu e nem mau o bastante para ser despejado no
inferno. Eu estou vindo do purgatório.
—Vindo? Como assim? Vindo para onde?
E eu odeio quando você me chama de chuchuquinha. Deixe-me em paz, por favor.
— Calma meu benzinho. Estou em
liberdade condicional.
— Você sai ao dia e volta à noite?
— Não, saio à noite e volto ao dia.
— Sai para quê?
— Depois de algum tempo no
purgatório, você recebe uma proposta. Ou você perdoa todos que te traíram e vai
para o céu, ou você volta para se vingar. Advinha o que eu escolhi.
— Já sei, você está se despedindo de
mim antes de ir para o céu.
— Resposta errada.
— Vou está vindo vingar-se de mim?
— Já estou aí.
— Onde.
— No lugar em que você escondeu seu
amante naquele dia em que eu tentei te pegar no flagra.
— Dentro do guarda roupa?
— Isso mesmo, a dois passos do seu
pescoço. Agora apenas um.
— Ah não, por favor.
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