terça-feira, 24 de julho de 2018

INVESTIGADOS E RÉUS


         
(CONTO POLICIAL)

A sala era bem decorada com quadros pintados das mais variadas cores que nos transportavam através do tempo e espaço.
         O juiz sentado no sofá escuro olhava cada um como se estivesse no seu tempo de detetive, procurando uma prova para comprovar o crime e, no papel de juiz agora, dar a sentença final.
         De repente Margareth aparece na porta com sua bermuda estampada realçando a superfície abronzeada de suas coxas que sustentavam o resto do corpo moreno arrematado pelos cabelos castanhos, escovados um pouco antes. O juiz se espantou com sua presença. Os olhos que até minutos atrás vasculhavam a grama verde dos quadros passou a vasculhar aquele corpo de um metro e setenta e seis centímetros, de olhos castanhos claros e lábios carnudos.
         — Boa tarde, Dr. Brandão.
         — Boa tarde, Margareth.
         — Meu pai está no banho, daqui a pouco ele vem falar com o senhor.
         — Está bem, não se preocupe comigo. Estou apreciando a arte desses quadros. — apontou para as pinturas emolduradas na parede.
         Margareth deu alguns passos e sentou sensualmente no sofá menor enquanto o juiz se ajeitou melhor no grande sofá, fixando seus sexagenários olhos no bronze encorpado da garota.
         Passaram-se alguns minutos sem palavra alguma até o juiz quebrar o silêncio.
         — Margareth, você estuda?
         — Não doutor, eu não estudo mais. Eu terminei o ensino médio há dois anos. Sabe, eu sou um pouco preguiçosa. Acho que não me dou bem com os livros.
         — E com o que você se dá bem?
         — Sei lá. Talvez com os amigos.
         As últimas palavras de Margareth foram misturadas com o barulho dos passos da serviçal entrando na sala com a bandeja de café destinada ao juiz.
         — Aqui está. — disse a moça cordialmente e depois virou, tomando o rumo da cozinha com seus dezessete anos de idade, ainda concluindo o ensino fundamental, à noite.
         Margareth sentiu uma vontade irresistível te acompanha-la, imaginou a moça à beira da máquina de lavar roupas com aquelas duas coxas brancas. Vagou pela sua mente um desejo sútil e proibido. Seus olhos começaram a brilhar.
         O juiz, pressionando o couro do sofá com suas nádegas enquanto deliciava-se com o café fresquinho, percebeu a mudança de expressão no rosto de Margareth com sua experiência de tantos anos observando reações de investigados e réus, perguntou a ela o que havia acontecido.
         Margareth não soube responder, resmungou alguma coisa incompreensível, pediu licença e foi para o seu quarto.
         Ao sair da sala, ela esbarrou com seu pai que já estava chegando para fazer sala ao sexagenário senhor de fala e gestos meticulosos.
         Chegando a seu quarto, deitou-se sobre o colchão que sempre fora testemunha das suas angústias. O novo ambiente em nada ajudou a apagar a imaginação libidinosa. Ao contrário, passou a lhe dar mais subsídios para elaborar em sua mente situações e êxtases. Margareth repousou sua cabeça sobre o travesseiro depois de desistir frear a sanha imaginativa. Deixou que agora ela corresse solta e seu pensamento a levou diversas vezes à cozinha onde encontrava Lucinha na pia com seus pares de coxas brancas e a mesma saia de brim desbotado.
         O fim da tarde foi torturante. O desejo de possuir Lucinha não a abandonava. Arriscaria quando a noite chegasse. A moça chegava sempre pelas dez e meia do seu curso de supletivo, entrava no quarto reservado para serviçais. Ela iria lá. Encontraria a moça no banho ou vestindo-se. Momento perfeito para ao menos observa o resto do seu corpo, quem sabe, desnudo.
         As horas se arrastavam pelos relógios. Enfim ela ouviu os passos de Lucinha chegando no horário de sempre. Esperou um pouco para ter coragem e para que a moça se ajeitasse em seu pequeno quarto. Desceu com seu pijaminha curto. Precisava de um pretexto. Confiou na sua criatividade. Aproximou e percebeu que havia outra pessoa no quarto junto com a serviçal. Curiosa, olhou pela fechadura e viu seu pai acariciando o corpo branco da moça. Uma fúria irrompeu em sua mente. Precisava controlar-se. Sua paixão era de horas atrás e não conhecida por ninguém. Deu vontade de bater na porta. Inventar um pretexto para interromper o momento íntimo dos dois. Como não percebera antes a relação do pai com a empregada. Não se perdoaria pela desilusão que se permitiu ter, e nem perdoaria o pai por não ter respeito com a mãe, esposa que ele dizia que tanto amava, porém falecida há oito anos.
         No dia seguinte, Margareth acordou com a cabeça doendo e uma dúvida latejando sem cessar. Como encarar seu pai e o fruto do seu desejo repentino e ao mesmo tempo, uma desilusão tão sucinta. Contou até três e resolveu encarar a realidade. Nunca sentira nada por garota nenhuma, aquele sentimento deveria ser carência afetiva. Havia meses que não paquerava ninguém. Mas a atitude do pai era imperdoável. Quando chegou à cozinha, nenhum sinal de Lucinha. Foi até à porta do quarto serviçal, parecia entreaberta. Por curiosidade empurrou. Levou a mão à boca. O corpo branco que desejara no dia anterior e vira nos braços do seu pai estava inerte. O sangue escorrera manchando o lençol. Lucinha havia sido assassinada.
         Lembrou que o pai havia comentado sobre uma viagem que faria bem cedo. O advogado precisava ir até Manhuaçu acompanhar um caso. Ligou para a polícia.
         Dr. Ramos assumiu o caso. O astuto detetive quis ouvir Margareth. Ela tentou esconder alguns fatos, mas expôs o pai.
         O pai disse que não dera conta do assassinato devido à pressa em sair cedo. Como a serviçal estudava à noite, costumava por a mesa do café depois das sete da manhã. Como ele precisava sair cedo, fez o desjejum matinal na padaria da esquina.
         Dois dias após o assassinato, Dr. Ramos e Dr. Brandão estavam frente a frente no escritório do juiz.
         — Dr. Ramos, sei da sua reputação. Aprecio seu trabalho de investigador. Acredite, o consideramos o melhor detetive da Zona da Mata Mineira. Sua fama vai de Juiz de Fora a Governador Valadares. Acredito que já tenha chegado ao Rio de Janeiro. Gostaria de lhe confidenciar algo, e fica no campo da fofoca e do segredo. Não estou na condição de depoente, gostaria de lhe dizer que estive na casa do Dr. Almeida na tarde que antecedeu a noite do assassinato de Lucinha. Notei o olhar lascivo da senhorita Margareth lançado sobre a serviçal. É um detalhe Dr. Ramos que deve ser levado em consideração.
         — Certamente levarei, meritíssimo. Todo detalhe é relevante para chegarmos ao momento de um assassinato e esclarecer quem esteve lá e qual a motivação que o levou a estar lá. Ou quem tinha interesse na morte da vítima.
         Três dias depois Dr. Ramos retorna ao escritório do juiz.
         — Dr. Brandão, eu vim lhe agradecer o detalhe que o senhor me passou há três dias. Ele foi importantíssimo para a elucidação do caso. Eu ainda não sei observar as reações de um réu, não sou juiz. Mas eu sei como o senhor que já foi detetive, observar as reações de um investigado. Conclui que o senhor é um homem da lei, gosta de ciências humanas e odeia matemática.
         — Não estou entendendo, como o senhor sabe que eu não gosto de matemática?
         — O senhor não gosta de triângulos, sobretudo dos triângulos amorosos. Devido ao relacionamento sexual entre o senhor e o Dr. Almeida, o senhor era o único de fora daquela casa que tinha a chave da porta de entrada. Lucinha estava roubando o seu amante. Por isso o senhor eliminou um dos vértices do triângulo.
         — Não vou dizer que o senhor está certo, pois na nossa justiça o certo pode ser errado e o errado pode ser certo. Vou tentar me safar dessa com meus conhecimentos. Vou acompanhá-lo até a delegacia para prestar meu depoimento.
         — Então vamos.

DA SÉRIE: Dr. RAMOS


OBS: CONTO AINDA SUJEITO A CORREÇÕES.

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